Congregação Judaica Shaarei Shalom – שערי שלום

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 Renovação

O dia 15 de Av (11 de agosto este ano) é sem dúvida o dia mais misterioso do Calendário Judaico. Uma busca no Shulchan Aruch (Código da Lei Judaica) não revela qualquer observância ou costume para esta data, exceto a instrução que a partir de 15 de Av, deve-se intensificar o estudo de Torá, pois nesta época do ano as noites começam a ficar mais longas e “a noite foi criada para o estudo”.

O Talmud nos conta que antigamente as “filhas de Jerusalém iam dançar nos vinhedos” em 15 de Av, e “quem não tivesse uma esposa ia lá” para encontrar uma noiva. Também considera o dia mais festivo do ano, com Yom Kipur em segundo lugar! É como uma luz plena que chega após os trágicos acontecimentos do mês de Av, sutilmente mostrando uma Futura Redenção, um renascimento de esperança e uma renovada alegria.

Rabi Shimon ben Gamliel declarou: “Não há datas mais festivas para Israel que o 15 de Av e Yom Kipur.” (Talmud, Taanit 26b)

Seguem alguns dos eventos felizes que ocorreram no 15º da de Av:

1) Cessaram as mortes da geração do Êxodo. Vários meses depois que o povo de Israel foi libertado da escravidão egípcia, o incidente dos “Espiões” demonstrou que não estavam preparados para a tarefa de conquistar a Terra de Canaã e desenvolvê-la como a “Terra Santa”. D’us decretou que toda a geração morreria no deserto, e que seus filhos entrariam na Terra em seu lugar (como relatado em Bamidbar 13 e 14). Após 40 anos vagando pelo deserto, a mortandade finalmente terminou, e uma nova geração de judeus estava pronta a entrar na Terra Santa. Foi a 15 de Av de 2487 (1274 AEC).

2) As tribos de Israel tiveram permissão de casar entre si. Para assegurar a divisão organizada da Terra Santa entre as doze tribos de Israel, foram feitas restrições sobre os casamentos entre membros de tribos diferentes. Uma mulher que tivesse herdado terras do seu pai estava proibida de casar-se fora da sua tribo, para evitar que seus filhos – membros da tribo do pai deles – transferissem terra de uma tribo para outra ao herdar as terras da mãe (como é relatado em Bamidbar 36). Esta ordem valia para a geração que conquistou e colonizou a Terra Santa; quando a restrição foi levantada, a 15 de Av, o fato foi considerado motivo de celebração e festividade.

3) A tribo de Benyamin teve permissão de entrar na comunidade.15 de Av foi também o dia em que a tribo de Benyamin, que tinha sido excomungada por seu comportamento no incidente da “Concubina de Givah”, fosse readmitida na comunidade de Israel (como é relatado em Shofetim 19:21); isso ocorreu durante o mandato de Othoniel ben Knaz, que liderou o povo de Israel de 2533 a 2573 (1228-1188 AEC).

4) Hosea ben Eilah abriu as estradas para Jerusalém. Quando da divisão da Terra Santa em dois reinos após a morte do Rei Shelomô em 2964 (797 AEC), Yeroboam ben Nebat, governante do Reino Norte de Israel, colocou blocos na estrada para impedir seus cidadãos de fazerem a peregrinação tri-anual ao Templo Sagrado em Jerusalém, capital do Reino Sul da Judéia. Os obstáculos foram finalmente removidos mais de 200 anos depois por Hoseas ben Eilah, o último rei do Reino Norte em 15 de Av de 3187 (574 AEC).

5) Os mortos de Betar puderam ser enterrados. A Fortaleza de Betar foi o último bastião da rebelião de Bar Kochba. Quando Betar caiu em 9 de Av de 3893 (133 EC), Bar Kochba e milhares de judeus foram mortos; os Romanos massacraram os sobreviventes da batalha com grande crueldade e não permitiram que os judeus enterrassem seus mortos. Quando os mortos de Betar foram finalmente sepultados em 15 de Av de 3908 (148 EC), uma bênção adicional (HaTov VehaMeitiv) foi acrescentada às Graças Após as Refeições em comemoração.

6) “O dia da quebra do machado”. Quando o Templo Sagrado estava de pé em Jerusalém, o corte anual de lenha para o Altar era concluído em 15 de Av. O evento era celebrado com festas e júbilo (como é o costume quando se conclui uma tarefa sagrada) e incluía uma quebra cerimonial dos machados, o que deu este nome ao dia. Estes eventos podem ser todos dignos de comemoração e festejos; mas como eles explicam a surpreendente declaração de Rabi Shimon de que “Não há festas mais importantes para Israel?”

De que maneira o 15 de Av é mais importante que Pêssach, o dia do nosso Êxodo do Egito, ou Shavuot, o dia em que recebemos a Torá? Rabi Shimon o coloca até antes daquele que considera a outra “grande festa”, Yom Kipur!

Para entender o significado de 15 de Av, devemos primeiro examinar o funcionamento do Calendário Judaico. O aspecto mais básico do nosso calendário é ser primeiramente um calendário lunar – cujos meses são estabelecidos de acordo com as fases da lua.

O Zohar explica que o povo de Israel marca o tempo pela lua porque somos a lua do mundo: como a luz, nos levantamos e caímos através das noites da História, conhecendo épocas de crescimento e diminuição, nossos momentos de plena luminosidade alternando-se com momentos de obscuridade e trevas. E como a luz, nossa própria regressão e derrota nada mais são que um prelúdio para mais um renascimento, mais uma renovação. Num determinado ponto em seu circuito de 29,5 dias da terra (o ponto no qual está mais próxima do sol) a luz “desaparece” do céu noturno. A noite na qual a luz é primeiro visível ao observador na terra depois de sua ocultação assinala o início de um novo mês no Calendário Judaico.

Pelas duas semanas seguintes, o mês judaico cresce com a lua, atingindo seu ápice na 15ª noite – a noite da lua cheia. Seguem-se então duas semanas de luz decrescente da luz, até a noite em que a luz fica completamente escura e o mês chega ao fim. O renascimento da luz, 29 ou 30 dias após o nascimento anterior, introduz o novo mês; uma nova subida à plenitude, seguida por outra descida ao esquecimento, seguido ainda por mais um renascimento. Da mesma forma, o 15º dia do mês judaico assinala o ponto alto da contribuição específica daquele mês para a vida judaica.

Por exemplo, Nissan é o mês da redenção, e foi no primeiro dia de Nissan que começou o processo de nossa libertação do Egito, porém os resultados desse processo se manifestaram plenamente apenas em 15 de Nissan, com nosso êxodo real do Egito. Portanto, é a 15 de Av que celebramos a Festa de Pêssach e vivenciamos o dom Divino da liberdade através do sêder.

Outro exemplo é o mês de Tishrei. A 1º de Tishrei (Rosh Hashaná), coroamos D’us como Rei do universo, rededicando toda a Criação ao propósito ao qual ela foi criada e evocando em D’us o desejo de continuar a criar e sustentá-lo. Porém a celebração da coroação Divina é eclipsado pelos dias de solenidade e reverência que ocupam a primeira parte de Tishrei, e culmina na alegre Festa de Sucot, que começa no dia 15 do mês.

Assim o Talmud interpreta o significado do versículo (Tehilim 81:4): ‘Toque o shofar na renovação da lua, que está escondida até o dia de nossa Festa.” O shofar, cujo toque semelhante à trombeta significa “nossa coroação” do Todo Poderoso, é tocado a 1º de Tishrei, o dia da renovação da lua; porém como a própria lua, a experiência permanece “oculta” e em grande parte não expressa até chegar o “dia da nossa Festa – Sucot, a 15 de Tishrei.”

O mesmo ocorre com cada um dos doze meses do ano judaico. Cada mês possui um caráter e qualidade unicamente seus, que passa por um ciclo de diminuição e crescimento, ocultação e expressão, chegando ao clímax no dia 15 do mês.

O Rebote – Isso mostra porque 15 de Av é especial. Quanto maior o impulso com que um objeto desce uma montanha, maior será seu ímpeto para subir a próxima montanha; quanto mais uma flecha é puxada para trás pelo arco, maior a força que a fará voar quando disparada. Esta lei básica da física também governa o fluxo do tempo lunar e as qualidades espirituais que ele encerra: quanto mais baixo se desce, mais alta será a subida. Portanto, o mês de Av deve de fato possuir o maior 15º dia de todos. Pois qual eclipse pode ser mais escuro que aquele que precede a lua cheia de Av?

A segunda metade de Tamuz e os primeiros dias de Av assinalam uma ruptura no próprio coração do universo e o início de um inverno espiritual do qual ainda temos de emergir. Em 17 de Tamuz de 3829 (69 EC), a órbita lunar da vida judaica girou para o declínio mais acentuado de seus 4.000 anos de história.

Naquele dia as muralhas de Jerusalém foram rompidas pelo exército romano; pelas três semanas seguintes, de 17 de Tamuz a 9 de Av (observadas até hoje como as “Três Semanas” de luto), o inimigo avançou através de Jerusalém, invadiu o Templo Sagrado e, a 9 de Av, incendiou-o. O 9 de Av é também a data de destruição do Primeiro Templo em 3338 (423 AEC) e numerosas outras calamidades na História Judaica.

A destruição do Templo nada mais foi que a contrapartida física de uma perda mais profunda, espiritual. O Templo Sagrado em Jerusalém era o centro da presença Divina em nosso mundo – a fonte de tudo que há de espiritual e Divino em nossa vida e o foco dos nossos esforços para implementar o propósito da Criação de “construir uma morada para D’us no mundo físico”.

Sua destruição marcou o fim do relacionamento aberto e direto entre D’us e Sua criação, e o início do estado de exílio – uma ocultação da Divina face, um véu sobre a verdade, com a realidade da criação oculta por trás da máscara do mundo fragmentado e corpóreo que experimentamos atualmente. E apesar disso, quanto maior a descida, maior a subida que nela se origina.

A grande escuridão dos últimos dias de Tamuz e os primeiros dias de Av carregam as sementes para uma “lua cheia” igualmente especial em 15 de Av – uma lua cheia que representa o mundo perfeito e harmonioso de Mashiach (Messias) que é o produto de nosso longo e amargo galut.

Os Eventos – Esta é a importância dos diversos eventos felizes relatados pelo Talmud como tendo ocorrido a 15 de Av; cada um deles marca um degrau na para sair da descida de 9 de Av.

A destruição do Templo em 9 de Av foi precedida por outro evento trágico ocorrido no mesmo dia, muitos séculos antes. Foi na véspera de 9 de Av que os doze espiões enviados por Moshê voltaram do seu reconhecimento da Terra Santa e dissuadiram o povo de Israel de se estabelecer e santificar a Terra, fazendo com que D’us decretasse que a geração do Êxodo morreria no deserto.

De fato, os dois eventos estão profundamente relacionados; nossos Sábios nos dizem que se a geração de Moshê tivesse merecido entrar na Terra de Israel e construir o Templo Sagrado em Jerusalém, este teria sido um edifício eterno, inviolável e indestrutível. O objetivo de uma “morada para D’us no mundo físico” teria sido plenamente concretizado, evitando a necessidade de qualquer regressão ou descida subseqüente. Assim, os eventos daquele 9 de Av no deserto foram a fonte e o precursor da destruição e galut que o dia terminou por forjar.

Portanto, quando a morte da geração do Êxodo cessou em 15 de Av1, isso também assinalou os inícios da “subida” de Av. Uma nova geração ficou a postos para entrar na terra e lançar as fundações para a renovação e reconstrução. E quando as barreiras entre as tribos foram removidas, permitindo que seus membros se unissem em casamento uns com os outros, outro elemento da “descida” estava sendo retificado.

Nossos Sábios dizem que a causa fundamental para a destruição do Templo foi a divisão dentro da comunidade de Israel. Da mesma forma, a chave para a subida da Redenção é promover a unidade e a harmonia entre nós.

Este é também o significado de outros dois eventos especiais associados a 15 de Av: a aceitação da tribo errante de Benyamin na comunidade e a remoção dos obstáculos que tinham dividido o povo de Israel em duas nações e tinha impedido o Templo Sagrado de servir como força unificadora entre irmãos separados por conflitos políticos.

A queda de Betar em 9 de Av, que significou o fim do último esforço importante para libertar a terra de Israel do jugo romano, foi o auge da tragédia da destruição do Templo Sagrado e o exílio de Israel naquela mesma data, uma geração antes. O primeiro alívio deste golpe esmagador ao povo judeu – a permissão de enterrar os mortos de Betar em 15 de Av quinze anos depois – é outro exemplo de como 15 de Av atinge a redenção e retificação do 9 de Av.

Ferros destruídos – A maneira pela qual a conclusão do corte de lenha para o serviço do Templo foi celebrada a 15 de Av é mais uma manifestação da importância do dia. Pois a quebra dos machados expressa o supremo propósito do Templo Sagrado, cuja destruição pranteamos a 9 de Av e cuja reconstrução trará o mundo harmonioso de Mashiach.

Por que quebrar os machados? Por que não guardá-los para usar no ano seguinte? Porque o machado representa a própria antítese daquilo que o Altar e o Templo como um todo representam. Sobre a construção do Altar, D’us tinha instruído: “Quando construírem um Altar para Mim, não o construam de pedra cortada; pois se sua espada tiver sido erguida sobre ele, vocês o profanaram. Não levantem o ferro contra ele… O altar de D’us deve ser construído de pedras inteiras” (Shemot 20:22; Devarim 27:5-6). Se qualquer objeto de metal tocasse uma pedra, aquela pedra seria considerada imprópria para uso na construção do altar.

Nossos Sábios explicam: “O ferro foi criado para encurtar a vida do homem, e o Altar foi criado para prolongar a vida do homem; portanto não é certo que aquilo que encurta seja erguido sobre aquilo que prolonga (Talmud, Midot 3:4). O ferro, instrumento de guerra e destruição, não tem lugar na construção do instrumento cuja função é trazer paz e harmonia eternas ao mundo.

Esperando a Luz  – Obviamente, este eventos foram apenas vislumbres da lua cheia de Mashiach – uma lua cheia que ainda tem de emergir das trevas que a envolvem. Portanto hoje, 15 de Av é um evento relativamente pouco importante em nossa experiência do ciclo anual. Marcamos o dia, mas sem a grandeza de Pêssach, a alegria de Sucot e a exultação de Purim. Pois ao contrário dessas festas, cuja “lua cheia” já vivenciamos, a luminosidade de 15 de Av ainda tem de reluzir.

Ainda estamos na galut, ainda na parte escura deste ciclo, ainda saindo da descida na qual fomos atirados pelos eventos de 17 de Tamuz e 9 de Av. Porém esta data já está fixada em nosso calendário como o “mais notável 15″ de todos. E com a vinda iminente de Mashiach, 15 de Av será realmente revelado como a nossa festa mais importante. Nota: 1 – Segundo o Talmud Jerusalém/Yerushalmi (Taanit 4), as mortes cessaram realmente em 9 de Av, mas o povo de Israel não percebeu isso até o dia 15, motivo esse pelo qual o 15 foi feito dia de celebração. Isso é consistente com o significado de 15 como o auge do mês: a lua, obviamente, está sempre cheia; a “lua cheia” é o ponto em seu ciclo no qual sua plenitude está visível para nós e apreciamos ao máximo a sua luz.

Pela mesma óptica, as subidas e descidas na História Judaica são descidas e subidas apenas em nossa percepção e nossa experiência da nossa proximidade com D’us. Na essência, porém, não há descidas, pois mesmo em 9 de Av, no exato momento da destruição, nosso relacionamento com D’us não foi diminuído de forma alguma. [1] [1]

Fontes:

[1] Chabad:  A Alegria de Tu BeAv – Por Rav Yanki Tauber – baseado nos ensinamentos do Rebe M. M. Schneerson, Z”L: http://www.chabad.org.br/datas/tu_beav/15_av/15_av.html

[1] Escola de Kabbalah, Porto Alegre, RS: http://escoladekabbalah.com/site/1/blog/?page_id=1477

Coordenador: Saul Stuart Gefter



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