Congregação Judaica Shaarei Shalom – שערי שלום

Tempo de leitura: 20 Minutos
  1. Introdução – D-us, ou D’us, é uma das formas utilizadas por alguns judeus lusófonos para se referirem a D’us sem citar seu nome completo, em respeito ao terceiro mandamento recebido por Moisés pelo qual D’us teria ordenado que seu nome não fosse invocado em vão. O judaísmo então cumpriu o mandamento não escrevendo o nome de D’us em nada que se consuma. Exemplificando, escrever o nome de D’us em um papel, o fogo pode consumi-lo. Outra forma utilizada pelos judeus para o mesmo fim é HaShem. Por outro lado, entende-se que muitas pessoas entendem “erroneamente” que a razão pela qual um judeu escreve o nome D´us desta forma seja para não pronunciar em vão! Tem-se uma questão de escrita e não fala, então afirma-se que a razão é outra: “tratar o nome de D’us com reverência é uma maneira de mostrar respeito a D’us. Este respeito adicional não reside no temor de infringir um mandamento e sim no amor pelo seu Criador.!”
  2. A Essência de D’us, a Divina Providência e os Mandamentos – O alicerce do judaísmo e base de toda a verdadeira religião é a existência de D’us. Ele é o Criador de toda a existência, física e espiritual. O primeiro verso da Torá assim o afirma: “No princípio, D’us criou os Céus e a Terra…” (Gênesis 1:1). Também está escrito: “Eu sou o Eterno, que cria todas as coisas” (Isaías 44:24). Como Criador de todos os mundos e de tudo o que neles há, D’us é diferente de Sua criação. Assim sendo, o judaísmo categoricamente rejeita a filosofia do panteísmo. Além do mais, enquanto Criador do Universo, a existência de D’us precedeu e é independente de Suas criações. Como D’us é o Criador de tudo o que é matéria, obviamente Ele não é matéria. O Midrash e outras obras sagradas se referem a D’us como HaMakom, “O Lugar”, porque Ele é o lugar do mundo, mas o mundo não é o Seu lugar. Igualmente, os conceitos de tempo e espaço e seus atributos – corpo, forma e feição – são criações de D’us e não se aplicam a Ele. D’us é infinito e, portanto, incorpóreo. A Torá afirma: “E guardareis muito vossas almas, porque não vistes imagem alguma no dia em que o Eterno vos falou em Horeb…” (Deuteronômio 4:15). Em várias passagens, a Torá se refere a D’us como se Ele tivesse um corpo humano, usando linguagem antropomórfica, como em “a mão de D’us” (Êxodo 9:15), e “os olhos de D’us” (Deuteronômio 11:12). Contudo, a Torá não está afirmando, de forma alguma, que D’us tem um corpo, forma ou feição. Apenas emprega metáforas para expressar a relação de D’us com Sua criação.  Da mesma forma, quando a Torá afirma que D’us criou o homem à Sua imagem (Gênesis 1:27), não está insinuando que D’us se parece com o homem.  O que significa é que o homem compartilha dos mesmos atributos – as Sefirot intelectuais e emocionais – que D’us emprega ao interagir com o mundo.

É totalmente proibido comparar D’us a qualquer uma de Suas criaturas, mesmo ao mais elevado dos anjos. O profeta Isaías assim declarou: “A quem, pois, podeis comparar o Eterno? Ou a quem O podeis assemelhar?” (Isaías 40:18). Ainda que toda a existência seja permeada pela Divindade, D’us não pode ser associado com nenhuma de Suas criações. Além disso, o judaísmo rejeita qualquer definição de D’us como conceito abstrato, independentemente de quão elevado ou nobre seja. Portanto, D’us não pode ser definido como Amor, Verdade, Justiça ou Bondade, apesar de serem esses alguns de Seus atributos. Como Criador de todas as coisas terrenas e celestiais, D’us está num plano superior a toda a Sua Obra. A Ele, portanto, nos referimos como o Ser Supremo ou o “Altíssimo”. Ele é infinitamente superior e incomparável a qualquer coisa ou ser que exista. D’us está além de qualquer definição.

Apesar de D’us não poder ser definido e criatura alguma – nem mesmo o mais puro dos anjos – poder verdadeiramente conhecer Sua Essência, a Torá, que é a Sua Sabedoria e a Sua Vontade, permite que o homem capte algo do Divino. Por exemplo, a Torá nos ensina que D’us é Um e que Ele é a Unidade mais perfeita e absoluta. Como está escrito: “Escuta, Israel! O Eterno é nosso D’us, o Eterno é Um!” (Deuteronômio 6:4). A absoluta unicidade e unidade de D’us é um princípio central do judaísmo, que enfaticamente rejeita qualquer conceito de pluralidade no que se refere ao Divino.

Enquanto Criador do Universo, o poder de D’us é ilimitado. Dizemos, então, que D’us é onipotente e nos referimos a Ele em nossas preces como “Rei do Universo”. No entanto, não atribuímos a D’us a possibilidade de que Ele duplique, aniquile ou mude a Si Próprio de forma alguma. O judaísmo rejeita, expressamente, a ideia de que D’us possa assumir qualquer forma física – humana ou qualquer outra. Qualquer uma dessas tarefas envolveria uma mudança por parte do Divino – algo que não pode ocorrer – porque a mudança é um produto do tempo, e D’us, enquanto Criador do espaço e do tempo, existe fora de ambos. D’us é Eterno: o tempo não se aplica a Ele, apenas à Sua Criação. Assim sendo, D’us não tem início, idade nem fim, pois esses conceitos implicam uma estrutura  de tempo. Ele é imutável e inalterável. E assim declara: “Porque Eu, o Eterno, não mudo” (Malaquias 3:6). Como Criador do tempo, D’us pode fazer uso do mesmo sem nele se envolver: Ele causa a mudança no mundo sem mudar a Si Próprio. D’us é, pois, chamado de o “Motor Imóvel”.

Há declarações na Torá que talvez pareçam sugerir que D’us se modifica. Por exemplo, certas passagens falam de D’us se enraivecendo ou se alegrando. Tais descrições não devem ser entendidas literalmente: a Torá usa linguagem metafórica para descrever a interação Divina com o mundo de forma que seja compreensível a todos. D’us, Todo Poderoso, nunca muda. Quando a Torá afirma que D’us se enfureceu, significa que Ele está emanando Sua luz através da Sefirá de Guevurá (Restrição, Severidade). Da mesma forma, quando a Torá nos fala que Ele se alegrou, significa que Ele está interagindo com o mundo através da Sefirá de Chessed (Bondade, Benevolência). Nada disso implica alguma mudança em D’us. O entendimento de que o Altíssimo é atemporal é a resposta para a questão paradoxal: D’us pode criar uma pedra que Ele Próprio não possa erguer? Essa pergunta é enganadora, porque emprega lógica humana – ou seja, limitada – para tentar entender um D’us ilimitado, que é incompreensível.

E é, também, inútil, porque seria a mesma coisa perguntar se D’us pode suicidar-se ou limitar Seus próprios poderes. Como vimos, D’us é onipotente, mas também é atemporal e, portanto, não sujeito à mudança. Isso significa que a existência, a essência e a onipotência Divinas são imutáveis. Contudo, para quem não se satisfaz com essa resposta e continua intrigado com o paradoxo, a resposta é esta: Como D’us é onipotente, Ele pode criar uma pedra que Ele Próprio não pode erguer, e como Ele é onipotente, Ele pode sim erguer a pedra. Se tal paradoxo serve para algo, é para nos ensinar que a mente finita do homem não consegue e nunca conseguirá captar o Criador Infinito. Apesar de nossa incapacidade de entender o Divino, sabemos que o relacionamento de D’us com este mundo é duplo, ou seja, Ele é imanente e também transcendental. Assim, Ele preenche e também envolve toda a Sua criação. Esse conceito é expresso nos cânticos dos anjos e na Kedushá que recitamos, de manhã e à tarde, durante a repetição da oração da Amidá. Diariamente os anjos nos Céus e os judeus, na Terra, recitam: “Santo, Santo, Santo é o Eterno dos Exércitos, o mundo todo está preenchido por Sua Glória” (Isaías 6:3). Isso indica que D’us é imanente, e preenche toda a criação. No entanto, os seres celestiais também proclamam, como o fazemos na Kedushá, “Bendita seja a glória do Eterno desde o Seu lugar” (Ezequiel 3:12). Esse versículo fala de D’us em Seu sentido transcendental, onde nem mesmo os anjos conseguem compreender o Seu “lugar”. Um alerta, contudo: essa aparente dualidade no relacionamento de D’us com o mundo – sendo imanente e transcendental – apenas se deve a nosso limitado e imperfeito conhecimento de D’us, que também é dos anjos, pois Ele Próprio é a Unidade mais absoluta.

A imanência Divina implica que não há lugar em toda a criação desprovido de Sua Presença. Ele é onipresente. Como nos ensina a Torá: “Toda a Terra está cheia de Sua Glória” (Números 14:21). E também está escrito: “Sua Glória se estende além dos Céus e da Terra” (Salmos 148:13). Em algumas de suas passagens, a Torá fala de D’us como estando em determinado lugar em determinada hora. Isso não significa que D’us esteja nesse lugar e não nos demais. Mas, sim, que D’us deseja conferir uma honra e atenção especial àquele lugar,  ou que lá Suas ações são particularmente visíveis. Assim, diz-se que D’us “habitava” o Mishkan, o Tabernáculo, e o Templo Sagrado de Jerusalém porque Ele conferiu especial honra e atenção a tais construções. Ensinam-nos, também, que D’us “habita” na Terra de Israel, Eretz Israel, e em Jerusalém. De modo similar, a Torá nos relata que D’us conduziu os judeus durante o Êxodo. Isso significa que Sua Presença e Sua Providência estavam especialmente visíveis a eles nesses momentos. Não é apenas a Presença Divina, mas também Sua Vontade, o que permeia toda a Criação. Um dos ensinamentos fundamentais da Cabalá é que nada pode existir que D’us não o deseje. A existência de toda a criação depende continuamente da Vontade Divina e de Seu poder criativo. Fosse esse poder removido da criação por um instante sequer, todas as coisas instantaneamente deixariam de existir. Nas preces matinais, dizemos: “Em Sua bondade, Ele renova, diariamente, o ato da Criação”. A Criação do Universo, portanto, não foi um evento único, mas um processo contínuo e incessante.

D’us está continuamente recriando – e, portanto, sustentando – o Universo inteiro. Sua atenção está ininterruptamente direcionada à Sua Criação. Se Ele perdesse interesse em Sua Criação, ainda que por uma fração de segundo, tudo voltaria a inexistir. A noção de que D’us criou o Universo para, em seguida, o abandonar, é uma abominação para o judaísmo. É irônico que apesar de a Presença Divina preencher todos os mundos e Ele ser o único responsável pela Criação e contínua existência de todas as criaturas e seres, Sua própria existência seja indetectável para a maioria das pessoas e até mesmo negada por alguns. O profeta Isaías disse a D’us: “Em verdade, Tu és um D’us que Se oculta, ó D’us de Israel” (Isaías 45:15). Uma das razões para D’us não Se revelar é que se o fizesse, toda a Criação seria anulada perante Ele. Assim como a luz de uma vela seria anulada e perderia seu valor se fosse acesa à luz do sol, também a existência do Universo deixaria de existir se D’us revelasse de forma explícita Sua Luz Infinita. Ademais, D’us não pode ser visto, pois não há lugar algum despido de Sua Presença. Há uma analogia que nos ajuda a entender esse conceito: o ar não pode ser visto, mas é parte integral do ambiente que nos cerca, e o único momento em que nos apercebemos de sua presença é quando o vento sopra. Isso é ainda mais verdadeiro em se tratando de D’us. A razão para não podermos ver D’us não é devido à Sua transcendência, mas à Sua imanência, ou seja, o fato de Ele conter em Si Seu princípio e Seu fim. De forma similar, somente temos conhecimento da Presença Divina quando Ele atua para manifestar Sua Presença.

A Torá nos ensina que o conhecimento Divino é idêntico à Sua Essência Infinita, e, portanto, também infinito. Como está escrito: “Grande é nosso D’us, imenso é Seu poder e infinita a Sua sabedoria” (Salmos 147:5). D’us sabe o que está acontecendo a cada um dos átomos do Universo, a cada instante. Independentemente de quão grande o número de eventos simultâneos, isso nada é comparado à Infinita Sabedoria Divina. É importante enfatizar que apesar de a Torá dar ao homem um vislumbre do Divino, D’us está tão acima de nós que é impossível compreendê-Lo em Sua plenitude. Como ensina a Cabalá: “Não há pensamento que possa entendê-Lo completamente” (Tikunei Zohar, 17a). E como escreveu o Rabi Shneur Zalman de Liadi, o Baal HaTanya: “Assim como um pensamento abstrato não pode ser captado pela mão, tampouco a Essência de D’us pode ser captada nem mesmo pelo pensamento” (Likutei Amarim, Shaar HaYichud VeHaEmuná). Nem os maiores sábios e profetas e os seres espirituais mais elevados podem captar a verdadeira Essência Divina. Portanto, cada nome e cada descrição que possamos atribuir a D’us somente se aplicam a Seu relacionamento com Sua Criação. Mesmo o Tetragrama, o Nome de D’us de Quatro Letras, que nos é proibido pronunciar, apenas denota Sua emanação mais alta na Criação. D’us é incompreensível, inominável e anônimo. Não há palavras que possam descrevê-Lo ou enaltecer todos os Seus louvores.

A Divina Providência – Como vimos acima, a natureza de D’us está além de tudo que possa ser concebido ou captado pelo ser humano: a distância entre a percepção humana e o Divino é infinita. Portanto, apenas temos ciência da impossibilidade de descrevê-Lo. Como então alegar que o Todo Poderoso, que é tão supremamente exaltado, irá “rebaixar-Se” ao ponto de cuidar dos detalhes mínimos da vida de Suas criaturas, por mais nobres e corretas que sejam?

Muitos filósofos, entre os quais inúmeros pensadores judeus, argumentaram que apenas os que são verdadeiramente devotos a D’us são merecedores da Divina Providência, enquanto todos os demais seres humanos e criaturas são apenas cuidados, de forma generalizada, por uma Vontade Divina, que pode conduzir sua existência, mas que não se envolve com os mínimos detalhes de suas vidas. Essas noções e crenças filosóficas, apesar de oriundas de um reconhecimento da grandeza Divina, estão distantes da noção cabalística de Divina Providência. A Cabalá oferece um tipo diferente de percepção da conexão entre D’us e o mundo.

A filosofia define D’us como o “Supremo Intelecto” – a Mente Divina, que, como repetidamente ensina Maimônides, não é, de forma alguma, comparável à mente humana, limitada e finita. No entanto, mesmo esse conceito é limitado. O Maharal de Praga, Rabi Yehudá Lowe, famoso por ter criado o Golem, insistia que o Divino não pode ser definido ou confinado, de nenhuma maneira. Nossos Sábios se referem ao Todo Poderoso como “O Santo, Bendito o Seu Nome”. Como o judaísmo define a santidade como a distinção, essa denominação significa que o Divino está além das definições ou limitações, quaisquer que sejam. Por conseguinte, em relação ao Divino, a mais elevada espiritualidade não é, de forma alguma, superior ao físico ou material. Comparado à Luz Divina, mesmo o que a nós parece puro e elevado, é finito e diminuto. Essa compreensão do Divino não nega a existência da Divina Providência em nível individual.  Pelo contrário, leva a uma conscientização aumentada de quão pessoal é essa Providência. Quando entendemos que a grandeza de D’us ultrapassa os limites do espiritual e do físico, e que esses conceitos são vazios se comparados a Ele, não podemos mais alegar que a Divina Providência esteja confinada apenas a uns poucos – os grandes e elevados. Pois, de fato, quem e o que é elevado e grandioso comparado a D’us? Comparado ao Infinito, qual a diferença entre o maior sábio ou profeta e o menor dos insetos? Comparada à Luz Infinita, tudo é igualmente insignificante. Assim, pois, a Divina Providência se estende tanto em direção dos maiores seres humanos, que devotam cada momento de sua vida a D’us, quanto em direção dos organismos mais inferiores que mal conseguem subsistir.

Como vimos acima, D’us não está limitado por tempo nem espaço. Entender esse conceito nos leva à conclusão de que Sua Providência é abrangente, pois, a partir de Seu ponto de vista, o grande e o pequeno, a maior generalização e o menor detalhe, são todos iguais em sua infinita distância e total insignificância se comparados à infinitude Divina. Ao mesmo tempo, estão igualmente próximos a Ele como receptores do abrangente  amor Divino. Ou seja, todos e tudo estão igualmente distantes e próximos de D’us. Em termos práticos, isso significa que D’us  está ciente e também profundamente envolvido em tudo o que concerne Sua Criação e interessado até mesmo nos detalhes da vida de cada um de nós. Muitos cometem o erro teológico de supor que como D’us é tão grandioso – como Ele habita nas Alturas – Ele não está interessado no que comemos – se é casher ou não – ou se fizemos a berachá antes de comer um pedaço de chocolate. A resposta a tais questões teológicas e outras similares – se D’us se preocupa com nossas necessidades materiais e espirituais e se Ele tem conhecimento e interesse em todos os detalhes de nossa vida cotidiana – é que D’us se preocupa com tudo ou com nada. Perante o Infinito,  não existe o grande ou o pequeno.

Ou tudo é importante para D’us ou nada o é. Será que D’us se preocupa com tudo ou com nada? É verdade que a infinitude Divina não se restringe ao mundo físico, mas vai além de todos os mundos espirituais e todos os conceitos intelectuais. No entanto, se D’us criou o mundo e continua a sustentá-lo, é evidente que Ele se importa com o mesmo. Assim sendo, a resposta cabalística a essa pergunta é que D’us se preocupa com tudo – com cada detalhe ínfimo de toda a Sua Criação. Isso, portanto, é a base do ensinamento Chassídico que a Divina Providência se aplica a todos e a tudo. D’us não apenas “determina os passos do homem” (Salmos 37:23), mas também provê a cada uma das criaturas do mundo, direcionando-as ao objetivo pré-determinado a cada uma delas.

O Baal Shem Tov, fundador do Movimento Hassídico, ensinava que cada um dos objetos deste mundo – mesmo um grão de areia – está sob as asas da Divina Providência: está vinculado à Vontade Divina, que determina seu lugar e seu papel no mundo. Negar o papel da Divina Providência sobre o mais insignificante dos detalhes da vida é o mesmo que negar a ideia da Divina Providência como um todo. Reconhecer o papel da Divina Providência sobre os indivíduos e os pequenos detalhes atesta a grandeza de D’us e a profundidade e intensidade da crença do ser humano n’Ele. O Baal Shem Tov ilustrou esse ponto com o seguinte exemplo: uma grande tempestade irrompe numa floresta, quebrando galhos e arrancando mudas. Isso é produto da Divina Providência: D’us quis que isso acontecesse por um determinado propósito. Talvez esse propósito fosse levar uma folha mais perto da boca de uma certa minhoca na mata. A Divina Providência cuida de todas as necessidades de cada uma das criaturas, mesmo daquelas primitivas como as minhocas – que, no plano perfeito da Criação, têm seu lugar e um papel a cumprir.

Os Mandamentos: Fisicalidade e espiritualidade – Entender alguns conceitos fundamentais sobre D’us e sobre a Divina Providência permite-nos uma compreensão mais profunda e significativa de Seus Mandamentos. O cumprimento dos mandamentos da Torá tradicionalmente é concebido como um imperativo duplo: por um lado, a contemplação e apreciação do conteúdo e do significado intrínseco dos mandamentos; por outro, sua expressão física. Os escritos judaicos trataram extensamente das questões resultantes dessa dualidade, pesando o valor da ação contra o da intenção e buscando o relacionamento entre ambos. Por exemplo, dada a opção, seria preferível colocar Tefilin mesmo se a pessoa não estiver intelectual e emocionalmente envolvida com esse mandamento, ou seria melhor meditar sobre D’us e estimular o amor e a reverência a Ele? Tais questões foram ponderadas através dos tempos por muitos sábios e pensadores. Por um lado, pode-se argumentar que o importante é a intenção: qual o sentido de se cumprir um Mandamento Divino se a pessoa o fizer sem intenção ou sentimento? Por outro lado, enquanto uma ação sem intenção é como um corpo sem alma, a intenção sem ação também é imperfeita. É como uma aparição fugaz, que existe, mas não tem substância. Para uma pessoa verdadeiramente comprometida com os Mandamentos Divinos, não pode haver ação sem intenção, mas tampouco intenção sem ação. Essa discussão sobre ação ou intenção é primordial como produto das diferenças no ponto de vista religioso.

Para solucionar tais dilemas, é necessário ter-se uma compreensão adequada da relação entre D’us e o homem e da essência da Divindade. Ainda que uma discussão filosófica profunda sobre teologia esteja além do escopo deste artigo, é relevante entender a essência da Divindade como é percebida pela maioria das pessoas. Vejamos a seguinte relação: tinta, couro, caixa; ideia, sonho, amor. Em que categoria D’us deveria ser inserido? Na dos objetos concretos – tinta, couro, caixa – ou na dos conceitos abstratos – ideia, sonho, amor? A maioria das pessoas, religiosas ou não, provavelmente colocaria D’us na categoria dos abstratos ou espirituais. Tal classificação tem um significado de longo alcance. Com certeza, não se pode atribuir a D’us nada sequer remotamente físico. No entanto, se a Divindade é uma abstração – uma ideia sem substância – pode-se questionar o grau de realidade de D’us e questionar Sua Própria existência. O D’us dessas pessoas é uma sombra cuja existência é, por vezes, sujeita a incertezas. Trata-se de uma Divindade intelectual ou emocionalmente vivenciada. Se D’us é concebido dessa forma, certas consequências religiosas são inevitáveis. Se D’us é um conceito espiritual, como o Amor e a Justiça, faz todo o sentido que Ele seja cultuado com ideias, orações silenciosas, meditações e boas intenções. Pois, se D’us é um Ser espiritual abstrato, pode ser uma contradição servi-Lo por meio de ações físicas concretas. No entanto, todos os pensadores e filósofos judeus rejeitam a ideia de que D’us é um Ser espiritual. Enfatizam que assim como D’us está infinitamente acima do universo físico, Ele também está infinitamente distante do espiritual – mesmo em suas formas mais elevadas. É, portanto, tanto um sacrilégio atribuir qualidades espirituais a D’us quanto atribuir-Lhe qualidades físicas. Surge, então, naturalmente, a pergunta: se D’us não é fisicalidade nem espiritualidade, o que Ele é?  A resposta é que o homem não pode nem mesmo começar a conhecer a essência de D’us. Pode apenas ansiar por vivenciar a realidade de Sua existência. Tal experiência de Divindade não pode provir de uma análise lógica ou inferencial de aspectos de Sua existência. Pelo contrário, baseia-se na experiência real de Sua Presença. D’us, então, é uma realidade e não há realidade fora de Sua existência.

A compreensão de que D’us não  é um ser físico nem espiritual  explica o problema da preferência  da intenção sobre a ação.  As intenções espirituais do homem, não importa quão puras, nobres ou verdadeiras, não estão, necessariamente, mais próximas da Vontade Divina do que as mais concretas ações físicas. Como as qualidades da fisicalidade e espiritualidade não se aplicam a D’us de forma alguma, Ele está tão próximo ou distante do espiritual quanto do físico. O que importa é a Vontade de D’us, independentemente de como a pessoa a cumpra. Portanto, um mandamento físico, simples, tem tanta relevância religiosa quanto um espiritual. A essência dessa concepção é a percepção de que como D’us preenche  Seu mundo, para Ele não há dicotomia entre o físico e o espiritual. A Vontade Divina é encontrada tanto no cumprimento físico de um mandamento quanto nos pensamentos e emoções com os quais o mesmo é cumprido. Quando o homem amarra as tiras do Tefilin em seu braço, ele deve estar tão cioso de cumprir a Vontade Divina quanto quando se empenha espiritualmente para dirigir seu pensamento e seu coração a D’us: “…para amar o Eterno teu D’us com todo o teu coração, com toda a tua alma, e com toda a tua força”. O judeu que assim age está em verdadeira harmonia com a Vontade Divina.

Os mandamentos da Torá, tanto os físicos como os espirituais, portanto, podem ser comparados a uma ponte criada por D’us, que permite ao homem conectar-se a Ele.  Os mandamentos Divinos, que são cumpridos física e espiritualmente, são os meios pelos quais as criaturas finitas podem vivenciar o Santo, Bendito é Seu Nome. [2]

III. Conceitos: Os Três Pilares do Judaísmo – Os três pilares de nosso serviço a D’us são Teshuvá (arrependimento), Tefilá (prece) e Tsedacá (caridade), no entanto estas traduções não expressam os verdadeiros conceitos judaicos destes três elementos essenciais de nossa fé.

Teshuvá é habitulamente interpretada como arrependimento. No entanto a versão exata de arrependimento é a palavra hebraica “Charatá” e não teshuvá. Charatá e teshuvá são conceitos quase opostos. Charatá enfatiza um encaminhamento do indivíduo para uma nova conduta. Ele se arrepende por ter cometido algo negativo ou ter deixado de praticar uma boa ação e agora deseja comportar-se de outra maneira. Teshuvá, por outro lado, significa retorno. Um judeu é bom em sua essência e seu mais profundo desejo é fazer o que é certo. No entanto, devido a várias circunstâncias completa ou parcialmente fora de seu controle ele erra. Esse é o conceito judaico da teshuvá: um retorno às raízes, ao seu mais íntimo ser, revelando sua personalidade inata, e agora tornando-se dono de sua vida. Tefilá é geralmente traduzida como prece. No entano a versão exata de prece em hebraico é bakashá. As conotações das duas palavras são contraditórias. Bakashá significa uma solicitação, um pedido. Tefilá significa ligar-se. Bakashá enfatiza o pedido ao Todo Poderoso para que conceda nossos pedidos. No entanto, quando não necessitamos, ou não desejamos coisa alguma, então o pedido é supérfluo.

Tefilá significa ligar-se a D’us e isso é importante para todos, em todas as ocasiões. Possuímos uma alma que está conectada a D’us. Entretanto os laços que ligam a alma ao Todo Poderoso podem se enfraquecer. Para corrigir essa falha existem momentos específicos durante o dia dedicados à tefilá, nos quais renovamos e fortalecemos nossa ligação com D’us. Mesmo para aqueles que não necessitam de pedidos materiais, o conceito da tefilá – o desejo de chegar mais próximo de D’us – é a maneira concretizar os vínculos entre nós e o Criador.

Tsedacá é geralmente interpretada como caridade. Mas a versão mais apropriada para caridade, em hebraico é chessed, bondade. Não usamos aqui o termo chessed e sim tsedacá por que mais uma vez os conceitos são antagônicos. Enquanto chessed enfatiza a generosidade daquele que dá, aquele que recebe pode não ser necessariamente merecedor. Nem o doador realmente obrigado a dar, mas o faz devido a sua bondade. Tsedacá, por sua vez, vem da palavra hebraica justiça, pois significa que a justiça exige do judeu que ele doe. Há dois motivos para isto: primeiro por que ele não está dando o que é seu, e sim apenas o que lhe foi confiado por D’us para doar aos outros. Segundo, já que todos dependem do Criador para prover suas necessidades e Ele nos doa, possuímos o dever de retribuir “medida por medida” dando aos outros sem esperar nada em troca, além do ato de praticar justiça. [3]

Fontes: [1] Wikipedia: https://pt.wikipedia.org/wiki/D-us [2] Morasha, Edição 96 – Junho de 2017: http://www.morasha.com.br/sabedoria-judaica/a-essencia-de-dus-a-divina-providencia-e-os-mandamentos.html [3] Chabad: https://pt.chabad.org/library/article_cdo/aid/3128097/jewish/Conceitos-Os-Trs-Pilares-do-Judasmo.htm

Coordenador: Saul Stuart Gefter



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