O sucesso do judeu, teoria Genética é um detalhe, educação é tudo. por Rabino Chefe da Inglaterra, Professor Jonathan Sacks
“Se as estatísticas estão corretas, os judeus constituem apenas um por cento da raça humana. Isso sugere um nebuloso grãozinho de pó de estrela perdido na imensidão na Via Láctea. Adequadamente, jamais se ouviria falar do judeu; porém se fala, e sempre se ouviu falar dele.
Ele é tão proeminente no planeta quanto qualquer outro povo, e sua importância comercial é bastante fora de proporção com a pequenez de seu grupo. Suas contribuições aos grandes nomes do mundo na literatura, ciência, arte, música, finança, medicina também estão fora de proporção com seu pequeno número. Tem feito uma luta maravilhosa no mundo, em todas as épocas; e o tem feito com as mãos atadas nas costas.
Os egípcios, os babilônios, os persas surgiram, encheram o planeta com som e esplendor, depois evaporaram como num sonho e sumiram; os gregos e os romanos também, fizeram muito barulho, e agora estão acabados; outros povos brotaram e levantaram sua tocha bem alto por um tempo, mas ela se queimou, e agora estão na obscuridade, ou simplesmente desapareceram.
O judeu viu a todos eles, venceu a todos, sem enfraquecer suas partes, sem esmorecer suas energias, sem embotar sua mente alerta. Todas as coisas são mortais, as outras forças passam, mas ele permanece. Qual o segredo de sua imortalidade?”
Assim escreveu Mark Twain em 1898. É um belo tributo, mas termina com uma pergunta, a pergunta certa.
Qual é o segredo da continuidade judaica?
Nenhuma resposta comum será suficiente, porque a história judaica tem sido totalmente extraordinária.
Os judeus permaneceram uma nação distinta sem país, poder, território, ou cultura partilhada. Foram dispersos e quase sempre uma minoria. Na maior parte recusaram os esforços ativos para convertê-los, e resistiram à assimilação. Nenhum outro povo tem mantido sua identidade intacta por tanto tempo sob tais circunstâncias. Ora, como eles puderam fazê-lo?
Uma religião de Continuidade – Muitas teorias têm sido oferecidas, mas somente uma é convincente. O segredo da continuidade judaica é que nenhum outro povo devotou mais suas energias à continuidade. O ponto focal da vida judaica é a transmissão de um legado através das gerações.
O Judaísmo se concentra um seus filhos. As primeiras palavras de Avraham a D’us foram: “Dá-me filhos, pois sem eles é como se eu estivesse morto.” Ser judeu é ser um elo na cadeia de gerações. É ser um filho e depois um pai, receber um legado e passá-lo adiante. Moshê “recebeu a Torá no Sinai e passou-a adiante…” e assim devemos nós..
O Judaísmo é uma religião de continuidade – Nós que crescemos com o Judaísmo estamos tão familiarizados com esta idéia que a aceitamos como evidente em si, mas não é. É excepcional, até mesmo única. A primeira ordem na Torá não é crer, mas ter filhos. Avraham é escolhido não por ser justo (somente Nôach é descrito como tal) mas porque “ele instruirá seus filhos e sua família depois dele.” Na iminência do êxodo do Egito, Moshê não despende tempo falando ao povo judeu sobre a terra de leite e mel que os aguarda do outro lado do Jordão. Em vez disso, ele os instrui como deveriam ensinar as futuras gerações.
Três vezes ele retorna ao tema: “E quando seus filhos perguntarem…” “Nos dias que virão, quando seus filhos perguntarem…” “Naquele dia vocês dirão aos seus filhos…” Não ainda libertados, eles estão para se tornar uma nação de educadores.
Desde o início, o Judaísmo baseou sua sobrevivência na educação. Não educação no sentido estreito e formal de aquisição de conhecimento, porém algo mais vasto. Na verdade, a palavra “educação” é inadequada para descrever a cultura de estudo e debate do Judaísmo, sua absorção em textos, comentários e contra-comentários, sua devoção à instrução e ao aprendizado a longo prazo. Descartes disse: “Penso, logo existo.” Um judeu teria dito: “Aprendo, portanto existo.” Se há um motivo condutor, um tema dominante conectando as várias eras do povo de Israel, é a entronização do estudo como valor judaico soberano.
Em um dos versículos mais famosos da Torá, Moshê ordena: “Ensinareis estas coisas diligentemente a vossos filhos, falando delas quando estiverem em casa ou quando viajarem, quando se deitarem e quando se levantarem.” O primeiro Salmo descreve o ser humano feliz como aquele que “estuda Torá dia e noite”. Num surpreendente comentário, os rabinos disseram: “Mais vale um erudito ilegítimo que um sumo sacerdote ignorante.”
A paixão principal, ardente, incandescente dos judeus foi o estudo. Suas cidadelas eram escolas. Seus líderes religiosos foram sábios; a palavra rabi não significa sacerdote ou homem sagrado, mas mestre. Mesmo quando estavam assolados pela pobreza, asseguraram que seus filhos fossem educados.
Na França do século doze um erudito cristão declarou: “Um judeu, embora pobre, se tiver dez filhos coloca a todos no estudo, não para ganhar como fazem os cristãos, mas pela compreensão da lei de D’us – e não somente os filhos mas também as filhas.”
No shtetl (vilarejo) da Europa Oriental, o estudo conferia prestígio, status, autoridade, respeito. Os eruditos ocupavam os assentos nobres na parede leste da sinagoga.
Em seu delicioso estudo sobre a cultura do shtetl, A Vida é com Pessoas, Zborowski e Herzog descrevem as prioridades da família judaica: “A mãe, que controla o orçamento da família, corta os custos da comida ao limite se necessário, para pagar pelos estudos dos filhos. Se o pior acontecer, ela empenhará suas queridas pérolas para pagar a mensalidade escolar. O menino deve estudar, tornar-se um bom judeu – para ela os dois são sinônimos.”
O resultado foi que os judeus sabiam. Sabiam quem eram e por quê. Conheciam sua história. Conheciam suas tradições. Sabiam de onde vieram e onde tinham deixado o coração. Tinham um senso de identidade e orgulho. Conheciam Avraham, Moshê, Yeshayáhu (Isaias), Hilel, Akiva, Rashi e Maimônides, pois tinham estudado suas palavras e debatido seu significado.
A Torá foi o lar portátil do judeu, e ele conhecia sua paisagem, suas montanhas e vales, até melhor que a paisagem do lado de fora de suas janelas. Jerusalém jazia em ruínas, mas eles estavam familiarizados com suas ruas pelo Talmud e pelos Profetas, e caminhavam na cidade dourada da mente.
Em nenhum outro lugar o estudo, a erudição e a cultura eram tão largamente difundidas, tão valorizadas como entre o povo do Livro.
Paul Johnson descreve a vida judaica tradicional como uma “antiga e eficiente máquina social para a produção de intelectuais.” Era uma aristocracia do espírito e da mente. Nem todo mundo – disse Maimônides – pode ser um cohen – sacerdote. Mas a coroa da Torá – a mais valiosa de todas as coroas – está disponível para todos.
A formação da identidade – A identidade é uma coisa delicada. É a realidade interiorizada, como nos vemos em relação ao mundo que nos cerca. Para a maioria das pessoas na maior parte do tempo, a identidade não é um problema. É fornecida pela cultura circundante e suas instituições.
Para os judeus, no entanto, ela tem sido um problema na maior parte dos tempos e dos lugares no decorrer de nossa história. O motivo é simples. A identidade judaica não era fornecida pela cultura circundante, pois os judeus eram uma minoria num ambiente não-judeu.
Geralmente as minorias desistem de sua luta desigual para manter sua identidade. Embora estejam baseadas em tradição, memória e hábito, gradualmente se assimilam à medida que a tradição enfraquece, a memória se embota e os hábitos são eclipsados por um ajustamento aos modos da maioria. Leva tempo – diversas gerações – para isso acontecer. Mas quase invariavelmente acontece.
Os judeus eram diferentes, pois viam sua identidade não como um acidente da história (quem eles aconteceram de ser) mas como uma vocação religiosa (quem eles foram chamados a ser). Desde o início não se contentaram com tradição, memória e hábito, a herança do passado.
Eles recriaram o passado em cada geração sucessiva. Uma criança judia, em Pêssach, saboreia o pão ázimo e as ervas amargas da escravidão egípcia. Em Sucot ela se reúne aos seus ancestrais em seus tabernáculos enquanto eles viajam precariamente através do deserto. Em Tisha be’Av ela se senta com o autor de Lamentações e pranteia a destruição do Templo. Da maneira mais vívida, os judeus transmitiram suas memórias aos seus filhos.
Não somente suas memórias, mas também seu estilo de vida. Desde os dias de Moshê, os judeus têm vivido segundo as leis estabelecidas na Torá. Se isso se apoiasse apenas no hábito, teria aos poucos desaparecido quando os judeus foram exilados e dispersos. Mas os judeus jamais se contentaram com o hábito. Acreditavam não apenas em manter a lei mas também em estudá-la. O Judaísmo Rabínico é a única civilização no mundo na qual se espera que cada cidadão não apenas obedeça à lei, como também se torne um advogado, um estudante e expoente da lei.
Os judeus eram – para usar os termos de David Reisman – não voltados para a tradição, mas indivíduos voltados para seu interior. Os “faças” e “não faças” da Torá não eram um código externo, mas uma disciplina interiorizada, parte da identidade em si. Foi assim que os judeus puderam transmitir seu estilo de vida aos seus filhos.
Nem mesmo isso teria sido suficiente se não fosse por algo mais. Talvez o legado mais precioso que os judeus deixaram aos filhos seja a esperança. Desde o início, Israel tem sido um povo notavelmente orientado para o futuro. A história de Avraham começa com a promessa de um país, mas ao final do Livro de Bereshit ela ainda não tinha sido cumprida.
O Livro de Shemot começa com os judeus deixando o Egito e viajando rumo à terra de leite e mel, mas pelo final de Devarim eles ainda não tinham chegado. Em contraste com quase qualquer outra fé, a idade de ouro do Judaísmo não está no passado, mas no futuro, logo acima do horizonte.
Como resultado, em todo momento de crise – o exílio da Babilônia, a destruição Romana, a expulsão da Espanha – profetas, sábios e místicos puderam resgatar um povo do desespero por meio de intimações messiânicas. Os judeus recordaram seu futuro tão ativamente como se lembravam do passado.
Rezavam voltados para Jerusalém e a mencionavam constantemente porque sabiam que um dia a cidade seria reconstruída, e eles ou seus filhos voltariam. Diz-se que Napoleão, ao passar por uma sinagoga em Tisha be’Av de 1806 e escutar sons de lamentos, perguntou que tragédia tinha ocorrido.
Foi informado: a destruição de Jerusalém há mil e setecentos anos. Ele replicou: uma pessoa que pode prantear uma cidade por tanto tempo, um dia a terá restaurada. Ele estava certo. A memória judaica, devido ao seu caráter peculiar, manteve viva a esperança dos judeus. Isso também levou os judeus a viverem para o futuro, o que significava para e por meio de seus filhos.
A Identidade Judaica na Diáspora – Não há nada inevitável sobre a identidade judaica na diáspora, e jamais houve. Em Israel as coisas são diferentes. Ali, alguém é judeu por viver num estado judaico, cercado por cultura e instituições judaicas. O idioma é o hebraico. O calendário é judaico. Os dias de descanso e celebrações são aqueles da Torá. “O ar de Israel” – dizem os sábios – “tornam a pessoa sábia” – porque o próprio ar de Israel está saturado com o passado judaico. Aqui estão as cidades nas quais Avraham, Yitschac e Yaacov armaram suas tendas. Há Jerusalém, a cidade de David.
E ali adiante está a paisagem dos Salmos. Somente em Israel ser judeu significa estar imbuído na própria cultura do povo. Somente em Israel o Judaísmo é uma questão do que você pode ver, tocar e respirar.
Na diáspora, ser judeu sempre significou ir contra a corrente, ser contra-cultural. A forma mais natural de identidade é dizer: eu pertenço ao aqui-e-agora, ao povo que me cerca e à paisagem que posso ver toda manhã. Os judeus escolheram uma identidade mais complexa, e se não tivessem feito isso teriam desaparecido.
Desde os dias de Yirmiyáhu, eles sabiam que sua responsabilidade como cidadãos era “buscar a paz da cidade à qual Eu os exilei, e rezar ao Eterno por ela, porque se ela prosperar, vocês também prosperarão.” Assim, sempre que permitido, eles entraram na vida de Cairo e Córdoba, Vilna e Vitebsk e a enriqueceram. Mas isso era onde eles estavam, não quem eles eram. Quem eles eram foi o próprio oposto do aqui-e-agora.
Foi uma identidade de tirar o fôlego, abrangendo tempo e espaço, séculos e continentes. Os judeus foram definidos por uma rede de relacionamentos remontando ao passado bíblico e viajando até o futuro messiânico, unidos por um destino comum com judeus de todo o mundo.
A identidade judaica na diáspora foi e é uma questão da mente, não dos sentidos. É para nutrir. Vivemos através daquilo que aprendemos. Se não aprendermos o que é ser judeu, nada em nosso ambiente, exceto o anti-semitismo, nos dirá. E o anti-semitismo, embora possa nos lembrar que somos judeus, não fornece um motivo para querermos que nossos filhos o sejam.
Os judeus sobreviveram, simplesmente, porque devotaram suas melhores energias à educação, seu dinheiro a escolas, sua admiração aos eruditos, suas horas livres ao estudo, e sua primeira preocupação com a matrícula de seus filhos. Sua identidade foi constantemente aprendida e reaprendida, encenada e reforçada, e passada adiante como um presente valioso para a próxima geração. O segredo da continuidade judaica é que os judeus se importam com isso. Criaram a continuidade ao tornar a transmissão da tradição seu primeiro dever e maior alegria.
Testando a hipótese – A hipótese, portanto, é esta: que a continuidade judaica na diáspora depende da educação judaica. Isso, para nossos ancestrais, era um item da fé. A questão é: podemos submetê-la à avaliação crítica? O que constituiria testar a conjectura? Deixe-me sugerir dois critérios: o teste da história, e o teste da pesquisa mais recente disponível. Primeiro, a história.
O povo judeu sobreviveu. Porém em momentos importantes aquela sobrevivência estava em dúvida. A catástrofe se abateu e não havia uma rota óbvia para um futuro seguro. Os profetas tinham declarado que Israel seria um povo eterno. Mas houve vezes em que isso parecia desesperadamente improvável. Houve momentos em que parecia ser de outra forma. Estas conjunturas críticas merecem atenção. O que salvou o povo e a fé de Israel do que poderia ter sido o esquecimento? Considere estes três momentos.
A primeira vez foi no quinto século AEC. Vários séculos antes, o reino de Israel tinha sido destruído pelos Assírios. A população foi dispersada e rapidamente assimilou as culturas vizinhas. Dez das doze tribos desapareceram da história. Em 586 AEC, o reino de Yehudá também foi dominado, desta vez pelos Babilônios. O Templo foi destruído e a elite do povo aprisionada. Ali também eles poderiam ter se desintegrado como povo, não fosse a insistente mensagem dos profetas insistindo que a esperança não estava perdida.
Sob Ciro, Rei da Pérsia, um regime novo e mais benigno tomou forma e alguns dos exilados tiveram permissão de regressar. Por fim, sob a liderança de Nehemiah, o governador, e Ezra, o escriba sacerdotal, um renascimento judaico começou a surgir. Porém eles enfrentaram imensas dificuldades. Quando chegaram a Israel, os dois líderes encontraram um situação desoladora. Aqueles que tinham permanecido haviam perdido sua identidade. Tinham feito casamentos mistos. O Shabat era profanado publicamente. As leis religiosas caíram em desuso.
O Livro de Nehemiah descreve o evento que se provaria como a virada. As pessoas se reuniam em Jerusalém onde Ezra, sobre uma plataforma de madeira, lia a Torá para a multidão. Um grupo de levitas agia como instrutores para o povo, “lendo o Livro da Lei de D’us, deixando-o claro e dando um significado, para que as pessoas pudessem entender o que estava sendo lido.” A População entrou num acordo para manter os termos da Torá. O pacto, que correra o perigo de ser esquecido, foi renovado.
Uma nova era da História Judaica começou. A partir de então, pelos cinco séculos seguintes, embora houvesse crises nas quais significativas partes da população se tornaram aculturadas e o Judaísmo corria o perigo de se dissolver devido à helenização, sempre houve um grupo leal aos princípios judaicos que terminaram por prevalecer.
Ezra representou um novo tipo de personalidade judaica, que deveria moldar o caráter do povo judeu de lá para cá. Não um legislador ou um profeta, um rei ou juiz, nem sequer um político ou líder militar. Ezra era o protótipo do professor como herói. Sob sua influência, o antigo ideal de um Povo da Torá tornou-se institucionalizado. Leituras públicas e explicações dos textos sagrados foram mais divulgadas.
Por volta do século II AEC, um sistema de escolas comunitárias tinha se desenvolvido. A educação universal, a primeira desse tipo no mundo, tinha começado. Fica claro o que poderia ter acontecido. As duas tribos poderiam ter seguido o caminho das outras dez. Elas também foram conquistadas, exiladas e expostas ao perigo da assimilação num império maior. Mas não o fizeram. Permaneceram distintas, intactas, um povo singular.
Como “o que poderia ter sido” foi evitado? A lição das dez tribos perdidas tinha sido aprendida. Se o povo judeu queria sobreviver, precisava criar um conjunto de instituições pelas quais seu caráter pudesse ser sustentado contra o atrito das outras culturas. Era procurar e encontrar as estruturas da continuidade. Os judeus descobriram uma verdade fundamental, que tem preservado sua característica única entre as civilizações religiosas. A melhor, na verdade a única, defesa de um povo religioso não é militar ou política, mas educacional.
Sobrevivendo à destruição – No primeiro século E.C. uma segunda crise ocorreu com força devastadora. Uma rebelião mal planejada contra Roma trouxe uma selvagem retaliação. As forças romanas, lideradas por Vespasiano atacaram os centros de resistência judaica.
Em 70 EC, o filho de Vespasiano, Tito, levou a campanha ao auge com um cerco contra Jerusalém. A cidade foi capturada. O Segundo Templo foi destruído. Foi um momento fatídico, embora poucos daqueles que passaram por ele pudessem ter sabido por quanto tempo os judeus sofreriam suas conseqüências. Foi o início do mais longo exílio que Israel jamais conheceu. Somente no século vinte os judeus saberiam novamente o que era ser um povo soberano em seu próprio país.
A catástrofe, enfatizada sessenta e seis anos depois com a supressão da rebelião Bar Kochba, foi quase total. A base da vida judaica jazia em ruínas. O Templo, símbolo e centro da nação, se fora. Não haveria mais reis ou profetas, sacerdotes ou sacrifícios dentro de um futuro previsível. A perda do Primeiro Templo tinha sido seguida pela esperança. Havia profetas que prenunciaram retorno e reconstrução.
Agora não havia mais estas visões, pelo menos nenhuma que encerrasse uma promessa imediata. A perda do Segundo Templo trouxe o perigo da desesperança.
A tradição judaica identificou corretamente um momento como símbolo da virada. O Talmud relata como o sábio (Rabi) Jonathan (Yohanan) ben Zakkai enfrentou os judeus de sua época. Durante o cerco a Jerusalém, líderes dentro da cidade acreditavam que podiam prevalecer contra Roma. Jonathan sabia que estavam enganados e argumentou sem sucesso pela paz.
Outros acreditavam que seriam salvos por intervenção Divina. O Mashiach estava para chegar. Novamente, Jonathan ensinou: “Se vocês têm uma muda de planta nas mãos, e as pessoas disserem: ‘Olhe, ali está o Mashiach!’ – continuem com o plantio e só depois saiam para recebê-lo.” Jonathan era um realista religioso, numa era de perigosos sonhos militares e apocalípticos. Jonathan, segundo o Talmud, foi contrabandeado para fora de Jerusalém e levado até Vespasiano.
Ele contou ao general que este logo atingiria a grandeza (em 69 EC, Vespasiano foi feito Imperador de Roma) e fez um pedido. “A única coisa que peço é Yavne, onde eu poderia ir e ensinar meus discípulos, estabelecendo ali uma casa de estudos e para cumprir todos os mandamentos.” Jonathan baseava a sobrevivência judaica não na vitória militar ou na era messiânica, mas numa casa de estudos e num grupo de professores: Yavne e seus sábios.
Poucas decisões têm tido efeito mais duradouro. Durante 1700 anos os judeus se tornaram um povo mantido coeso por um único fio: o estudo dos textos sagrados do Judaísmo. No lugar do Templo vieram a sinagoga, a yeshivá e o beit midrash. No lugar dos sacrifícios vieram a prece, o estudo e a realização de boas ações. O manto da liderança passou dos reis, sacerdotes e profetas para o sábio, o mestre que “criou muitos discípulos”. Exilada, dispersa e privada de poder, uma nação estraçalhada foi reconstruída por meio de um instrumento: a educação.
Estamos numa posição muito boa para testar a estratégia de Jonathan ben Zakkai, porque a dele não foi a única versão da vida judaica. Sabemos por Josephus e outras fontes que houve diversas tendências na vida judaica na Segunda Comunidade. Jonathan representou o grupo conhecido como os Fariseus, que deram origem a rabinos do Talmud. Houve um segundo grupo, mais poderoso, conhecido como os Saduceus, que em geral eram mais abastados e mais intimamente ligados ao Templo e ao sacerdócio.
Josephus chama o terceiro grupo de os Essênios. Eles tiveram vidas quase monásticas em pequenas comunidades separatistas das quais a seita Quaram, conhecida por nós através dos Manuscritos do Mar Morto, pode ter sido uma delas.
Para os Saduceus, a dimensão central da vida judaica foi o Estado e suas instituições: o Sanhedrin e o Templo. Para os Essênios foi a Era Messiânica, pois aparentemente eles viveram numa expectativa iminente de um apocalipse que abalaria os alicerces do mundo. Para os Fariseus, como já vimos, foi a educação. A instituição chave era a escola. A figura de autoridade era o erudito.
Sua base da identidade judaica era o estudo individual e a observância da Torá. Nem os Saduceus nem os Essênios sobreviveram. De sua memória, somente os traços mais fragmentados permanecem. Houve um tempo em que ambos os grupos floresceram e cada qual estava convencido de ter a chave para o futuro judaico. Porém a História decretou de outra forma. Mais uma vez, a educação provou ser a única rota para a continuidade.
Depois de Auschwitz – A terceira crise nos leva ao século vinte e àquilo que, em termos humanos, é a maior tragédia que já se abateu sobre o povo do Pacto: o Holocausto. No início do século 20, quatro de cada cinco judeus viviam na Europa. Ao final da Segunda Guerra, as vastas comunidades do Judaísmo europeu tinham sido destruídas. As grandes usinas do estudo rabínico – Vilna, Volozhyn, Ponevez, Mir – se foram. As cidadelas do espírito judaico tinham sido reduzidas a cinzas. Os líderes religiosos e as comunidades de onde eles vinham tinham sido assassinados. Na maioria, os sobreviventes eram “um punhado resgatado do fogo”. Nunca antes a luz duradoura do Judaísmo chegara tão perto de ser extinta.
O que sobrou, espiritualmente falando? O Judaísmo russo, o maior grupo judaico sobrevivente na Europa, vivia sob repressão política e religiosa. Os Estados Unidos, embora fossem tolerantes com os judeus, tinham se provado desastrosos para o Judaísmo. Uma onda após outra de imigrantes judeus – primeiro espanhóis, depois alemães, depois Europa Oriental – tinham se aculturado, assimilado e desaparecido.
O novo Estado de Israel, embora significasse tudo em termos políticos e físicos, era agressivamente secular. Ben Gurion tinha feito concessões a grupos religiosos, mas estava confiante de que em uma geração eles teriam desaparecido.
O que aconteceu em seguida um dia será contado como um dos mais notáveis atos de reconstrução na história religiosa da humanidade. Um punhado de sobreviventes do Holocausto e refugiados começaram a reconstruir em solo novo o mundo que eles tinham visto desaparecer nas chamas.
Os rabinos Menahem Mendel Schneerson, Aaron Kotler, Jacob Kamenetzky, Shragai Mendlowitz, Joseph Soloveitchik e outros como eles recusaram-se a ceder ao desespero. Enquanto outros reagiam ao Holocausto construindo memoriais, eles insistiram para que seus seguidores se casassem e tivessem filhos. Construíram escolas e yeshivot. Disseram: nosso mundo foi abalado, mas não destruído. Disseram: Hitler trouxe morte ao mundo, portanto vamos trazer vida. Dentro de uma geração, Mir e Ponevez, Lubavitch e Belz viviam novamente, não mais na Europa mas em Israel e na América.
Nos últimos cinqüenta anos, o Judaísmo tradicional se ergueu das cinzas para se tornar a força mais influente e de mais rápido crescimento na vida judaica. Atingiu aquilo que os observadores tinham considerado impossível. Mostrou que a Torá pode florescer num Israel secular e numa América aberta. Provou que os judeus na Diáspora atual podem experimentar o crescimento demográfico.
Provocou um renascimento do estudo talmúdico sem precedentes desde os grandes dias dos judeus da Babilônia. Mas tem feito ainda mais. Tem demonstrado em nosso tempo que a reação clássica dos judeus à crise permanece sendo a mais poderosa.
Como Ezra, a yeshivá e os líderes chassídicos se concentram em ensinar. Como Jonathan ben Zakkai, eles se devotaram a criar discípulos. A reação deles – repito – não foi a única resposta ao Holocausto. Outros grupos reagiram de maneira diferente. Construíram museus e monumentos, fundaram jornais, escreveram teologia do Holocausto e patrocinaram visitas a Auschwitz.
Uma geração de judeus jovens, aqueles que cresceram nos anos setenta e oitenta, tem sido fartamente exposta a filmes, literatura e palestras sobre o Holocausto, e é esta geração que está escolhendo casar-se fora do Judaísmo na proporção de um em dois.
O motivo não é difícil de encontrar. Como disse um historiador do Holocausto, perturbado pelo interesse obsessivo no Shoá: nossos filhos aprenderão sobre os Gregos e como eles viveram; sobre os Romanos e como viveram; sobre os judeus e como eles morreram.
Ao contrário da educação judaica tradicional, a educação do Holocausto em si mesma não oferece um sentido, uma esperança, um modo de vida. Sem a fé, ela recapitula o erro da mulher de Lot. O Holocausto é um buraco negro na história humana, e se olharmos para ele durante muito tempo nos transformaremos em pedra.
Os judeus jamais esqueceram a destruição do Primeiro Templo, ou do Segundo. Nós os pranteamos a 9 de Av, e em todo casamento judaico quebramos um copo em sua memória. O primeiro evento foi há 2.500 anos, o segundo há 1.900. Assim também, enquanto os judeus viverem, se lembrarão de Auschwitz e Treblinka, Bergen Belsen e Sobibor. Porém há uma maneira judaica de lembrar.
Para cada tragédia há uma promessa de redenção. Todo pesadelo é sucedido pela esperança. Nunca fomos paralisados pelo nosso passado, porque vivemos de olho no futuro. Eis por que a reação judaica à catástrofe foi ter filhos, construir escolas e criar um futuro judaico. Os filhos da yeshivá e comunidades chassídicas são seus memoriais do Holocausto, feitos não de pedra, mas de vida nova.
Estes três momentos são básicos para se entender a história judaica. A cada um deles, o povo judeu enfrentou sua própria mortalidade. Em nenhum deles a reação óbvia foi a que se provou bem-sucedida. Quem, em sã consciência, teria sugerido que a resposta à conquista da Babilônia, o poder de Roma ou ao Holocausto está nas escolas, professores e casas de estudo?
Porém os grandes visionários do Judaísmo, os arquitetos de sua sobrevivência, disseram exatamente isso. Alternativas foram tentadas. Falharam. As dez tribos do reino do Norte desapareceram. Assim também os saduceus e essênios. Em nosso tempo, aquelas comunidades da Diáspora que não conseguiram colocar a educação judaica no centro de suas vidas estão desaparecendo também.
Em cada caso, os sobreviventes foram ostensivamente o grupo mais fraco. O reino de Yehuda, ao sul, era pequeno em comparação ao reino do norte. Os fariseus eram mais pobres e tinham menos poder que os saduceus. Depois do Shoá, as comunidades e yeshivot chassídicas foram um fragmento de sua antiga glória. Mas em cada caso a máxima profética de Zechariah se provou verdadeira. A continuidade judaica acontece “não por força, nem pelo poder, mas por Meu espírito.”
Pesquisas – Até agora vimos o teste da história. Mas e quanto à pesquisa? Podemos quantificar o impacto da educação judaica na identidade judaica? A resposta é sim, podemos.
A Pesquisa Nacional Sobre a População Judaica nos Estados Unidos, feita em 1990, é o estudo mais abrangente de uma comunidade na diáspora feito nos últimos anos. Os resultados ainda estão sendo analisados. Porém em março de 1993 emergiram as primeiras conclusões sobre o efeito da educação no engajamento judaico, usando os dados da pesquisa.
O estudo, feito por Silvia Barack Fishman e Alice Goldstein, dividiram a experiência educacional em quatro categorias: [1] Nenhuma educação judaica; [2] mínima educação (menos de três anos de escola judaica ou até 5 anos de aulas somente aos domingos); [3] educação moderada (três a cinco anos de escola integral ou suplementar, ou seis anos de aulas somente aos domingos) e [4] educação substancial (seis ou mais anos de escola integral ou suplementar).
Suas descobertas foram essas – No grupo com 25 a 44 anos de idade, aqueles que tiveram educação judaica substancial estavam entre seis e dez vezes mais propensos a observar o ritual judaico que aqueles cuja educação judaica era mínima ou inexistente. Tinham três vezes mais chances de pertencer a uma organização judaica, três vezes mais chances de serem membros de uma sinagoga e vinte por cento mais chances de contribuir para causas judaicas.
Eles têm mais amigos judeus, são mais contrários ao casamento misto, e têm muito menos chances de fazerem casamentos mistos. Daqueles sem nenhuma educação judaica, somente três em dez se casaram com judeus. Daqueles com educação judaica substancial, o número é oito em cada dez. As autoras concluem:
Os dados de 1990 mostram a forte correlação entre a educação judaica e a forte identificação judaica. O simples fato de ter recebido alguma educação na infância tem pouco impacto sobre as atitudes e comportamentos durante os anos adultos.
No entanto, a maciça educação judaica está definitivamente associada a medidas mais elevadas de identificação judaica nos adultos. Seu impacto é demonstrado em quase toda área da vida pública e pessoa.
Esta é mais uma confirmação da tese de que o destino dos judeus na Diáspora foi, e previsivelmente será, determinado por sua atitude quanto à educação. Esta proposição tem sido sujeita a dois testes, um envolvendo momentos críticos na história judaica, o outro usando a pesquisa melhor e mais recente disponível. Juntas, elas mostram que os triunfos dos judeus são triunfos da educação. Nossa renovação depende da educação. Nossa força tradicional, nosso maior dom, nosso valor mais alto é a educação.
Professor Daniel Elazar, em sua pesquisa enciclopédica do mundo judaico, People and Polity, chega à esta conclusão:
A história dos judeus tem sido uma história de comunidades construídas ao redor de escolas. Elas são a chave, porque transmitem o saber. A civilização grega sobreviveu por quinhentos anos depois da conquista romana das cidades-estado gregas, porque os gregos, como os judeus, tinham desenvolvido academias e puderam viver ao redor dessas academias. Quando as academias terminaram, a civilização grega desapareceu.
O povo judeu jamais permitiu que suas academias terminassem. Este é o segredo de nossa imortalidade coletiva. [1]
Fontes:
[1] Postado por Noel Carlos de Souza em 28 outubro 2012: http://judaismohumanista.ning.com/profiles/blogs/o-sucesso-do-judeu-teoria-gen-tica-um-detalhe-educa-o-tudo
Coordenador: Saul Stuart Gefter
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