- INTRODUÇÃO À MÍSTICA JUDAICA – Acreditar, como algumas teorias científicas o afirmam, que o universo e o homem são fruto de coincidências moleculares, implica fechar nossa mente e sensibilidade a tudo o que faz de nós seres humanos. O homem, apesar de composto de matéria, não pode ser definido por seu peso e tamanho, ou tipo sanguíneo. Sua personalidade, idéias, anseios, sonhos, amor e ódio não são elementos físicos. A ciência e a razão não conseguem responder às nossas mais angustiantes perguntas: a vida tem sentido? Por que estou vivo? O homem é essencialmente espiritual. É verdade que a espiritualidade não é científica, nem racional e não pode ser quantificada. A arte também não o é, mas ela existe assim como a espiritualidade. Desde seus primórdios, o homem tem olhado tanto para o universo como para dentro si mesmo, procurando um contato com o Divino, o Absoluto. Chamamos de misticismo esta busca efetuada através de elementos intuitivos que estão fora do alcance da razão humana.
Misticismo e experiências místicas fazem parte do judaísmo, desde seus primórdios. A Torá nos relata visitas de anjos, sonhos proféticos, conta-nos a transmissão de uma primeira revelação, a tradição oral, que explica como a energia espiritual transita através do cosmo. A Cabalá (da palavra hebraica Kabalah, que significa “recebendo”ou “aquilo que foi recebido”) é a parte mística do judaísmo. Ela é também chamada de Chochmat há-Emet, a sabedoria da verdade. O ponto de partida e a meta da Cabalá são o conhecimento de D’us, “o Princípio e o Fim de todas as coisas”.
Segundo a tradição judaica, nossos patriarcas, através de sua intuição espiritual e suas visões proféticas, passaram a conhecer e seguir a Lei de D’us, e a transmitiram oralmente. Só mais tarde D’us incumbiu Moisés de colocar parte desta tradição por escrito – a Torá escrita; a outra parte continuou sendo transmitida oralmente. Moisés escolheu alguns israelitas, chamados nistarim, a quem ensinou o nível de interpretação mais secreto da Torá, chamado de sod (que significa secreto). Neste nível, a realidade tangível é reduzida a simbolismos, numerologia e forças espirituais. Estes ensinamentos eram recebidos de geração em geração (kibel), por isto o nome de Cabalá.
O processo do recebimento da Torá, no Sinai, serve como único e exclusivo critério para qualquer tipo de ensinamento judaico subseqüente. O autêntico misticismo judaico é parte integrante da Torá. Assim como o corpo não pode fun-cionar sem a alma, esta é ineficaz sem o corpo. A alma da Torá (nistar, a parte esotérica) jamais pode ser separada do corpo da Torá (Niglê, a parte revelada, a Halachá). Reduzida a um simbolismo espiritual ou filosófico, ou a um misticismo emotivo, despida do cumprimento das mitzvot, a Cabalá se torna uma concha vazia.
Definição – Também chamada de Shalchelet ha-Cabalá “corrente da tradição”, a Cabalá é parte de uma revelação original, transmitida oralmente de geração em geração. Uma “corrente” cuja principal característica é sua relação vertical com D’us. Na extremidade superior desta corrente espiritual está D’us, na inferior, neste mundo de ação, o homem. Esta “corrente de tradição” permite estabelecerem-se contatos entre o mundo do homem e D’us. O homem que dedica a vida ao estudo da Cabalá, chamado de mekubal, “aquele que foi recebido”, aspira ligar-se à D’us, desejando conhecer Sua Essência.
Conhecer no sentido de se aproximar Dele, pois o homem tem plena consciência da distância que existe entre ele – ou qualquer outro homem – e o Ser Absoluto. Sabe também que é negada ao homem a posse completa da verdade; a onisciência é inatingível. A Cabalá levanta perguntas sobre a criação do Universo; as leis que governam os mundos; as relações que existem entre D’us, o mundo e o homem; as emanações Divinas, as sefirot; o ser humano, sua alma, a razão pela qual está neste mundo, o impacto que suas ações têm e assim por diante.
O estudo da Cabalá – Durante séculos os segredos místicos dos profetas eram conhecidos somente em círculos restritos. Havia vários pré-requisitos para seu estudo: os ensinamentos só podiam ser repassados individualmente para homens de impecável moral, que seguissem a Lei e que dessem provas de responsabilidade. De preferência, com mais de 40 anos, casados, que conhecessem a fundo o Talmud, a Torá, e a Halachá. Para penetrar-se realmente na profundidade de seus ensinamentos é necessário, além de uma vida inteira dedicada ao estudo e às orações, seguir todos os preceitos da Lei Judaica e ter dons intelectuais e espirituais para tanto.
Seus textos, além de serem escritos em hebraico antigo ou aramaico, estão codificados o que torna praticamente impossível para os não iniciados entender seu significado. O cuidado era mais no sentido de proteção do que de proibição; nossos sábios temiam que os ensinamentos místicos pudessem ser mal interpretados ou usados de forma inadequada. O perigo da busca mística é colocado por um famoso relato do Talmud sobre quatro rabinos que se aventuraram no pardês, o pomar divino ou paraíso, em uma clara alusão aos quatro níveis de entendimento da Torá. Quatro rabinos entraram no pardês: Ben Azai, Ben Zomá, Acher e Rabi Akiva. Ben Azai olhou de relance e morreu; Ben Zomá olhou de relance e ficou louco. Acher tornou-se herege. Rabi Akiva entrou e saiu em paz. Esta história demonstra o perigo de adentrar-se nos assuntos místicos sem ter-se o preparo adequado. (Para maiores detalhes, ver “Pergunte ao Rabino”, Morashá nº 21, páginas 36, 37 e 38). Os temores de nossos sábios sobre a divulgação dos ensinamentos cabalísticos muitas vezes se confirmaram no decorrer da história. Foram usados por falsos messias, distorcidos por místicos não-judeus e por adeptos da ciência do ocultismo.
Extremamente populares entre pensadores cristãos no renascimento e Iluminismo, os preceitos da Cabalá foram reinterpretados para se encaixarem aos dogmas do cristianismo. Símbolos cabalísticos foram e são usados fora de contexto em cartas de tarô ou em outras formas de magias, ou adivinhações proibidas pela Torá. Apesar da “Cabalá prática” existir, esta é uma área da Cabalá conhecida por pouquíssimos sábios que não recomendam o seu uso. Porém, os ensinamentos da Cabalá, se aprendidos e usados adequadamente, oferecem ao homem uma fonte inesgotável de sabedoria, ajudando-o a lidar com as realidades da vida.
Por isto, grandes rabinos e cabalistas como Rabi Isaac Luria, o Baal Shem Tov, o Gaon de Vilna e, mais recentemente, o Rebe de Lubavitch, encorajaram e ajudaram a difundir o pensamento cabalístico através de ensinamentos acessíveis a todos. Eles acreditavam que sem entrar nas profundezas esotéricas de seus ensinamentos, a sabedoria que a Cabalá incorpora tem o poder de enriquecer de inúmeras formas a vida de todos os judeus e pode ajudar-nos a encontrar a razão de nossas vidas.
Origens – Na tradição judaica, a Cabalá não foi um fenômeno, como certos estudiosos alegam, surgido na Idade Média, cerca do século XIII. Sua origem pode ser traçada até Abraão, a quem se atribui a autoria do primeiro texto místico: o Sefer Yetsirá (o livro da Criação). Nele, consta que D´us criou o mundo por meio das 22 letras do alfabeto hebraico e das sefirot, emanações divinas. Segundo a tradição judaica, Abrãao havia aprendido os segredos místicos na academia de Shem e Eiver, fundada por Shem, filho de Noé. Isaac e Jacob também lá estudaram, este último durante 14 anos. Judá, um dos filhos de Jacob, fundou-a no Egito e esta continuou a funcionar secretamente durante os 400 anos seguintes. Sabemos, portanto, que tanto Noé quanto Adão conheciam os segredos místicos.
Adão não era um homem como nós; era essencialmente espiritual, com uma ligação direta com o Divino. Intuitivamente, ele conhecia as 22 forças criativas que moldaram o universo. “Sabia” os diferentes caminhos que elas percorreram para entrar neste mundo, o mundo do “aqui e agora”. Adão conseguiu “materializar” os 22 caminhos místicos que “via” em 22 formas distintas, cada uma das quais tornou-se uma letra do alfabeto hebraico. Adão compreendia também as energias associadas a cada uma destas letras. Replicando estas energias individuais através da respiração, criou o som das letras.
Cada letra do alfabeto hebraico é, portanto, o portal para uma outra realidade. Por isto a Cabalá dá grande ênfase à análise das palavras, seus valores numéricos, substituição de letras e suas formas. Adão era um ser andrógino com características masculinas e femininas. Só mais tarde D’us separou-o em dois. A maioria dos aspectos masculinos ficaram em Adão e os femininos em Eva. Esta dualidade masculino-feminino permeia toda a Criação, tanto nas energias espirituais que definem a mente e as emoções, nas sefirot, como nas letras do alfabeto hebraico.
Abraão, o Ivri, nosso patriarca, a quem é atri-buída uma compreensão cósmica, conhecia profundamente o que mais tarde se tornou a Cabalá. Era astrólogo, usava tanto seus poderes místicos como sua sabedoria prática. Homem poderoso, era conhecido no meio onde vivia por ser um sábio místico que tinha estranhas noções sobre a existência de uma Única divindade. Seus contemporâneos diziam que recebia instruções de um D’us misterioso e anjos sussurravam em seu ouvido.
Abraão adquirira uma consciência intuitiva da existência de um Criador. Mas a Revelação Divina só seguiu-se após sua busca persistente por D’us e por um conhecimento sobre Ele. A partir desse momento D’us lhe revelou seu caráter único e Abraão passou a cumprir as instruções de D’us. Todos os filhos de Abraão receberam uma herança espiritual. Ao afastar de Isaac seus outros filhos, Abraão lhes dá uma bagagem espiritual. Entre os filhos de Abraão, há os que se estabeleceram na Índia (Hodu) e passaram a compartilhar seus conhecimentos com o povo da terra.
Não é de estranhar, portanto, os paralelos que existem entre o misticismo judaico, o hinduísmo e o budismo. No quadro abaixo, alguns exemplos extraídos do livro “Practical Kabbalah”, do Rabino Laibl Wolf:
A Cabalá e a nossa vida – Para sobrevivermos neste mundo como verdadeiros seres humanos devemos recolocar em questão nossa percepção sobre o sentido de nossas vidas. A Cabalá nos ensina que, antes de virmos ao mundo, cada um de nós, cada alma, sabe de todos os segredos místicos. No ato do nascimento, um anjo “realoca” este conhecimento, este “conteúdo” de uma outra realidade espiritual, para o subconsciente. Ao nascermos, “esquecemos” de onde provém nossa alma.
O objetivo da Cabalá é trazer à tona esta sabedoria intuitiva e permitir que nossa unicidade possa iluminar a vida daqueles que estão à nossa volta. Cada um de nós tem uma missão na vida, algo que só ele pode fazer; cada acontecimento, no decorrer de nossas vidas, é uma lição a ser aprendida. A Cabalá nos ensina a integrar o material e o espiritual, ensina-nos que somente estando completamente envolvidos neste mundo, cientes de nossas responsabilidades, podemos encontrar nosso verdadeiro “eu”. Ensina-nos também que ao compartilharmos o que temos com os outros, criamos “espaço” dentro de nós para recebermos ainda mais. [1]
- A Jornada da Vida – Segundo a tradição judaica, a alma é uma porção de D’us instilada num corpo físico. A alma Divina anima e vivifica o corpo. Permite que ele veja, ouça e interaja com o mundo ao seu redor. Em hebraico, a alma é chamada Neshamá, que literalmente significa “sopro”. Ao descrever a criação do primeiro ser humano, Adam, a Torá relata: “E D’us formou o homem do pó do chão, e Ele soprou em suas narinas a alma da vida, e o homem se tornou uma alma viva” (Bereshit 2:7).
- O misticismo judaico nos ensina que quando alguém sopra o ar, o sopro vem diretamente da sua essência. É interno, imutável e não formado pela vocalização. A vida ideal é aquela na qual o físico e o espiritual se completam, com cada componente conseguindo o necessário para fazer o melhor possível de seu tempo na terra. Ao declarar que D’us “soprou nas narinas de Adam a alma da vida”, a Torá está nos dizendo que D’us concedeu Sua “essência” ao homem, ao contrário de todas as outras criações, que foram trazidas à vida “externamente”, através de Sua palavra (D’us “Disse” que haja…) Vinda da essência de D’us, a alma é perfeita e imaculada. É encarregada da tarefa de fazer uma “morada para D’us” neste mundo, por meio do cumprimento das mitsvot (Mandamentos de D’us, em hebraico) e atos de bondade. Durante o tempo de vida de uma pessoa na terra, ela recebe o mérito e o livre arbítrio para ser a parceira de sua alma Divina. Pode afetá-la, e afetar o mundo, seja permitindo que a alma brilhe através de pensamentos, palavras e ações dignos, ou, D’us não o permita, enterrando-a sob camadas e disfarces, suprimindo e escondendo sua radiância Divina. Assim D’us, em Sua infinita sabedoria, concedeu a Seu povo o presente do arrependimento, permitindo que a pessoa “apague a lousa”, e comece de novo.
A União de Corpo e Alma – A alma, sendo uma parte de D’us, partilha todos os Seus atributos: é Infinita, Toda Poderosa, Sagrada e Eterna, para enumerar apenas alguns dos atributos Divinos. O corpo, em comparação, é feito de matéria física. É temporário. Está aqui hoje, mas começa a desintegrar-se assim que a alma deixa o abandona.
Podemos então entender prontamente a preocupação do Judaísmo com a alma acima do corpo. A alma perdura, ao passo que o corpo retorna ao pó. Isso de maneira alguma diminui a importância do corpo ou do mundo material. Somente ao descer no corpo físico e viver neste mundo a alma pode cumprir sua tarefa. O corpo habilita a alma a conferir Divindade ao mundo, bem como adquirir santidade adicional para si mesma.
Isso é conseguido especificamente ao interagir com o mundo físico e material, cumprindo mitsvot e outros atos de bondade, e através do estudo de Sua Torá. Ao mesmo tempo, a alma permite que o corpo transcenda sua natureza animal, refinando-o e revelando sua Divindade e sua bondade inata. Cria dentro do corpo um anseio de escapar dos limites da existência material e conectar-se com o eterno.
A Corte Celestial – Após deixar este mundo, a alma é levada perante a Corte Celestial para prestar contas de seus dias e ações (ou falta de ações) durante seu tempo de vida mortal. A tradição judaica fala de uma “Balança Celestial” na qual são pesados os atos positivos e os negativos. A alma recebe sua recompensa ou punição segundo esta pesagem.
O Jardim do Éden – Vida Após a Vida – No Judaísmo não há “Após a Vida” – porque a vida jamais termina. Como está escrito em Cohêlet (12:7): “E o pó (corpo) retorna à terra como era, e o espírito retorna a D’us que o concedeu.” A Torá ensina que há dois mundos ou estados: Olam Hazé (este mundo) e Olam Habá (o Mundo Vindouro). No Olam Hazé, a Divindade está oculta (permitindo que a pessoa tenha livre arbítrio). No Olam Habá, a Divindade está completamente revelada. No meio desses dois mundos está o Gan Eden, (céu, paraíso).
Ali a alma repousa até ser levada ao Mundo Vindouro, e recebe como recompensa a Divindade que é trazida ao mundo. A quantidade de radiância Divina que a alma é capaz de absorver e desfrutar no Gan Eden, e no Mundo Vindouro, é diretamente proporcional à Torá, mitsvot e atos de bondade realizados pela pessoa neste mundo. Se a alma retorna “manchada”, deve passar por um estado de “Gehinom” (purgando, purgatório), no qual é capaz de entender as falhas espirituais e o vácuo causado por seus erros e transgressões, antes que possa entrar no Gan Eden. Somos ensinados que como a alma Divina é pura e boa em sua essência, a experiência do Gehinom jamais excede doze meses.
Suavizando o Julgamento da Alma – Como todos os judeus vêm de uma única fonte, todos os judeus são essencialmente uma entidade Divina. Portanto, somos capazes de beneficiar, e somos responsáveis, uns pelos outros. Assim, mesmo se a alma não realizou o tanto que poderia ou deveria, e precisa passar pelo Gehinom os membros da família (especialmente os filhos), amigos e até estranhos podem suavizar seu julgamento. Isso é feito recitando o Kadish, cumprindo mitsvot, fazendo caridade e estudando Torá em mérito da alma.
OLAM HABÁ – O Mundo Vindouro – A Ressurreição dos Mortos Um dos fundamentos da crença judaica é Techiat Hameitim, a ressurreição dos mortos, quando cada corpo será regenerado e sua alma restaurada. Segundo essa tradição, esta era será introduzida por Mashiach, o Messias. O Judaísmo acredita que o mundo está constantemente marchando para esse estado, e quando isso for alcançado, a Divindade será abertamente revelada. Toda a negatividade, doença, guerras e morte desaparecerão, e a terra ficará repleta com o conhecimento de D’us, como as águas cobrem o mar.
Naquele tempo, todo judeu que já tenha vivido, bem como os não-judeus justos, serão trazidos de volta à vida para desfrutarem a luz eterna de D’us. A Era de Mashiach não está longe, nem é uma impossibilidade em nosso tempo de vida. Mashiach pode vir num instante. Cada ação positiva que é realizada neste mundo pode ser aquela que inclinará a balança do bem sobre o mal e trará esta Era.
Sua Alma Como Seu Guia – A alma serve como uma “bússola espiritual” que orienta o corpo em sua jornada através do mundo material, tentando educá-lo para apreciar e perseguir a espiritualidade. Em última análise, a alma refina o físico até este se tornar “um” com a alma. A essa altura, o corpo se torna um veículo para a alma e, em última análise, a Vontade de D’us. Uma pessoa nesse estado é chamada de Tsadic, aquele que é totalmente justo.
Alimentando Sua Alma – Além de dar a cada um de nós uma porção de Si Mesmo, D’us nos deu a Torá. As leis e mitsvot da Torá alimentam a alma e possibilitam sua completa expressão. A Torá ensina a alma como conquistar e elevar a natureza animalesca do corpo e a materialidade do mundo.
Quando chega a hora de partir, a alma retorna à sua fonte juntamente com a Torá que estudou, as mitsvot que cumpriu e as boas ações que realizou enquanto esteve neste mundo. Se no entanto, um judeu vive fora da Torá, ou em contradição com ela, a alma Divina e pura se torna impura e manchada. A menos que faça sincera teshuvá (retorno, arrependimento) durante a vida, a alma permanece dessa maneira até se separar do corpo, quando retorna à sua fonte “de mãos vazias”.
A Contribuição Única de Sua Alma – Segundo a Cabalá (ensinamentos místicos), toda alma tem uma missão para cumprir neste mundo. Cada alma revela e confere Santidade a uma parte do mundo que é exclusiva dela. Nenhuma outra alma pode cumprir sua tarefa. Além disso, cumprir a tarefa é necessário para aperfeiçoar o mundo. Portanto, o Judaísmo leva a sério o conceito de responsabilidade individual. Ninguém pode dizer que “os outros estão fazendo aquilo que a Torá exige, portanto não preciso me preocupar com isso.” O Judaísmo requer a contribuição única de cada pessoa, assim como o mundo, que não pode ser espiritualmente completo sem isso. Segundo a Torá, a pessoa que cai doente deve procurar a melhor ajuda médica para seu problema; não pode simplesmente confiar em um milagre.
Ao mesmo tempo, deve rezar e pedir a D’us uma recuperação completa e rápida. Uma forma de descobrir a missão e propósito de sua alma é procurar dentro de si as difíceis barreiras espirituais: a mitsvá ou as mitsvot “difíceis demais” ou além da sua capacidade ou nível. Cada um de nós tem as coisas que vêm com facilidade, e aquelas que exigem muito esforço. Aqueles desafios difíceis são sua verdadeira meta e a sua tarefa de vida. Mitsvot desafiadoras são um tipo de indicador. Extrair uma profunda satisfação e prazer de uma mitsvá específica poderia indicar que esta, também, é pertinente à missão de sua alma. Revisar os resultados da busca de sua alma com um amigo ou mentor assegurará que o processo e conclusões sejam objetivos.
A relação de nosso corpo com a Torá – Não é coincidência aprendermos que as 613 mitsvot na Torá correspondem a partes do corpo humano. Os 248 mandamentos positivos (Faça) se relacionam com os 248 membros do corpo, e as 365 proibições (Não faça) com os 365 vasos e tendões.
O Talmud e a Cabalá estão repletos de histórias nas quais o estado de saúde de uma pessoa reflete seu estado espiritual. Por exemplo, se alguém tem uma moléstia digestiva, deve se preocupar com a verificação do status casher de sua comida. Se sofre de depressão, deve aumentar suas doações para caridade. Se tem dificuldade em conceber, deve revisar as Leis da Pureza Familiar.
Embora as ligações não sejam sempre simples e diretas como o exemplo acima, essas histórias ilustram a forte relação que existe entre nosso bem-estar físico e a completa expressão de nossa alma, que nos dá vida. A vida ideal é aquela na qual o físico e o espiritual se completam, com cada componente conseguindo o necessário para fazer o melhor possível de seu tempo na terra.
Reencarnação e Segundas Chances – A Torá ensina que a alma é enviada a este mundo para elevar sua porção no plano físico. Se falhar em qualquer aspecto, ou em algum detalhe específico, deverá voltar a este mundo em outro corpo, até que sua tarefa seja completada. Por exemplo, se a pessoa foi perfeita na observância do Shabat em uma vida mas falha em doar para caridade, sua alma terá de viver uma vida completamente nova para aperfeiçoar a prática da caridade, e o mesmo se aplica ao restante das mitsvot.
Vida e Doença – “Que você viva até os 120…” Todo segundo de vida, do momento da concepção até completar os anos de vida da pessoa neste mundo, é um presente de D’us, um presente que não deve ser desperdiçado. De fato, a cada dia, os judeus pedem a D’us em prece que sua vida seja preenchida com dias que sejam significativos, saudáveis e verdadeiramente completos aos olhos de D’us.
É comum entre os judeus desejarem um ao outro que vivam “até os 120”. Isso é porque a Torá nos conta que Moshê tinha 120 anos quando faleceu (Devarim 34:7), e sua vida foi considerada perfeita e completa. Outros líderes que viveram até a idade de 120 incluem Hillel, Rabi Yochanan ben Zakai, Rabi Akiva e Rabi Yehudah Hanassi. Cada qual foi um gigante em sua época. O Judaísmo insiste em que a pessoa jamais se canse da vida. Em vez disso, deve esperar ansiosamente cada ano adicional, com entusiasmo e determinação de aproveitar ao máximo todas as oportunidades em cada etapa da vida. Mais uma vez, olhe para Moshê.
Ele foi criado como um príncipe na casa do faraó. Porém D’us não lhe ordenou que tirasse os Filhos de Israel do Egito até que ele completasse 80 anos! Resguardando a Própria Vida – É um mandamento positivo para cada judeu viver o máximo possível, como declara a Torá: “Preserve a si mesmo e a sua alma diligentemente.” (Devarim 4:9). A dedução prática é que a pessoa deve se esforçar para viver e não pode permitir que a saúde se deteriore ou ferir deliberadamente o corpo. Segundo a Torá, a pessoa que cai doente deve procurar a melhor ajuda médica para seu problema; não pode simplesmente confiar em um milagre. Ao mesmo tempo, deve rezar e pedir a D’us uma recuperação completa e rápida.
Um Parceiro na Cura – A cura, em última análise, vem de D’us. Porém por razões que só Ele conhece, D’us determinou que temos de atrair Sua cura por meio de um especialista ou intermediário. Na verdade, nossos Sábios ensinaram que toda a área da ciência médica e seus muitos praticantes são apenas receptores das bênçãos de D’us neste mundo. A prática da medicina é tão importante que o Código da Lei Judaica declara: “O direito do médico de curar é um dever religioso.”
Na essência, o médico é “parceiro” com D’us na restauração da saúde, e sua parte na sociedade é apenas a restauração da saúde da pessoa. O verdadeiro destino da pessoa é deixada para D’us e a Corte celestial. Portanto, os médicos não podem dizer que fulano de tal tem somente um determinado número de meses para viver, nem a pessoa deve aceitar esta previsão.
Etapas Práticas Para a Cura – Um conselho dos nossos Sábios: encontre um bom médico e siga suas instruções. Não fique remoendo pensamentos sobre a doença. Tenha apenas pensamentos sadios. Fortaleça sua confiança Naquele que cura toda a carne, e Ele curará você, qualquer que seja a maneira que Ele achar adequada. E intensifique seu estudo das partes esotéricas da Torá.
Espiritualidade e Cura – Quando busca uma cura, a pessoa deveria trabalhar tanto no aspecto material quanto no espiritual. O material inclui encontrar a melhor ajuda médica e seguir os tratamentos prescritos. Porém há alguns passos que a pessoa pode dar espiritualmente para melhorar a situação. Por exemplo, as preces de uma pessoa doente podem ser muito eficazes, e portanto jamais deve desesperar. Mesmo que aos olhos mortais pareça não haver esperança, nada é impossível para D’us. Além da prece, a pessoa deve intensificar seu estudo de Torá e cumprimento de mitsvot. Isso pode incluir caridade adicional, adotar a observância de uma mitsvá nova, e assim por diante. Alguns pedem que um tsadic (justo) os abençoe ou reze por eles, pois aprendemos que as preces de um tsadic são prontamente aceitas por D’us.
A Cabalá da Doença – Com foi mencionado acima, a Torá declara: “Preserve a si mesmo e a sua alma diligentemente.” (Devarim 4:9). Isso indica que a pessoa deve cuidar da alma assim como cuida do bem-estar físico, caso contrário a Torá teria simplesmente declarado: “preserve a si mesmo.” A Cabalá ensina que a doença vem quando os canais pelos quais a alma irradia estão “entupidos”. Limpe o bloqueio, explica a Cabalá, e a doença desaparecerá. Teshuvá, que significa retorno e arrependimento, pode ajudar nesse aspecto.
Por esse motivo, a Lei Judaica declara que quando alguém está doente, deve checar e rever seus caminhos. Se o pensamento, palavra e ação não estão como deveriam ser, a pessoa deve se arrepender do passado e resolver melhorar no futuro. A pessoa deve adotar ações específicas que demonstrem sua resolução de melhorar sua conduta. Como parte do aumento da observância de Torá e do reparo de falhas espirituais, é costume pedir a um escriba que examine os tefilin (filactérios) e mezuzot (rolos de pergaminho colocados nos batentes das casas e empresas judaicas) da pessoa que está doente.
Se for detectado que estão defeituosos, são corrigidos nessa ocasião. Na verdade, há incontáveis histórias ligando o status casher dos tefilin e mezuzot da pessoa ao estado físico daqueles que o cercam. Por exemplo, um jovem estava tendo sérios problemas com o coração e os médicos estavam preocupados. Viram que o problema era tão grave a ponto de ser intratável. Por sugestão de um amigo, o rapaz pediu que um escriba inspecionasse as mezuzot de sua casa. Este descobriu que a palavra “lev”, em hebraico “coração”, estava faltando no texto. A família substituiu a mezuzá por uma casher e o jovem ficou completamente curado, deixando os médicos perplexos. Nem sempre a conexão entre a doença física e a dimensão espiritual é tão clara.
Às vezes isso permanece oculto de nós, e por isso as pessoas procuram o conselho de um tsadic, além do médico, durante uma doença. Muitas vezes, o tsadic pode identificar a fonte espiritual de um problema físico e sugere maneiras de retificar a situação.
Na recuperação – Quando a pessoa se recupera de uma doença grave, seus pensamentos e preces devem imediatamente se dirigir a agradecer a D’us. Muitas pessoas começam a cumprir uma mitsvá que não tinha cumprido antes, ou comprometer-se a melhorar um determinado aspecto de sua vida espiritual, como uma forma de agradecer a D’us por dar-lhe mais dias com os quais cumprir a missão de sua alma, e tornar este mundo um lugar melhor.
Alguns têm o costume de fazer uma Seudat Hodaá, uma refeição de agradecimento. Durante essa refeição festiva, o anfitrião e os convidados partilham pensamentos e palavras de Torá designados para inspirar aqueles presentes a intensificarem sua observância de Torá. Muitos também doam tsedacá a uma causa digna ou a uma pessoa necessitada para expressar sua gratidão a D’us. Os homens recitam a bênção de graças Hagomel na conclusão da leitura da Torá na sinagoga. … [2]
Fontes: [1] Morasha, Edição 26 – Dezembro de 1999: http://www.morasha.com.br/misticismo/introducao-a-mistica-judaica.html
[2] http://www.chabad.org.br/biblioteca/artigos/jornada/home.html
Coordenador: Saul Stuart Gefter
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