Disse Rabi Shimon: “O Mundo apoia-se sobre três pilares: Sobre a Torá, o serviço Divino e a bondade” I. Antes do Começo, Por Rabino Nilton Bonder Um dos comentários mais comuns que encontramos em relação ao princípio do Livro de Gênesis é a pergunta: e antes? Mesmo a teologia judaica que tem por hábito não querer explicitar a realidade para além dos limites da percepção humana, se pergunta: o que havia antes de “bereshit” (do começo)? Uma forma sagaz de fazer e não fazer esta pergunta ao mesmo tempo é querer interpretar o porque da Torá começar com a letra “beit” (segunda do alfabeto) e não a letra “alef” (a primeira do alfabeto). A resposta mais sagaz ainda, pois contém além da explicação reminiscências da própria pergunta, diz que a letra “beit” é bastante apropriada para iniciar a Torá pois tem sua grafia quase como um quadrado com três lados definidos e um em aberto. Os lados fechados bloqueiam o que vem antes, o que há para acima e para baixo. A interpretação é clara: a história é deste ponto para adiante… o que há acima e abaixo do nosso tempo ou da História não nos concerne nem mesmo que veio antes do começo. No entanto, nós sabemos o que veio antes! O dia de Simcha Torá é um dia de grande revelação. Não é a toa que os mestres chassídicos chamavam atenção para o fato de que a alegria pode ser a mais importante chave para profundos mistérios. Nós dançamos com a Torá e não nos damos conta, como dançamos também com a vida e não nos damos conta, de que dançar revela muito. O que vem antes de “bereshit bara elohim” (e no início D’us criou…)? “U-le-chol ha-iad ha-chazaka”… E no tocante a toda a mão forte, e a todos os grandes milagres que fez Moisés acontecer diante dos olhos de Israel”. O que vem antes de Bereshit, o início da Torá, é o final da Torá: Ve-zot ha-bracha, o último trecho lido da Torá. Em Simchá Torá descobrimos este incrível segredo: o agora e o depois estão profundamente ao que foi antes. O tempo não é apenas curvo como propõe a física avançada – o tempo se enrola de fins em começos e começos em fins. Afinal não é esta a experiência das gerações também? Da avó ou bisavó que conta a seu neto ou bisneto, o novo começo, sobre “os grandes feitos ocorridos no passado”. Estes feitos onde a “iad chazaka”, onde a mão forte de D’us se fez presente, é tudo que resta na memória corroída da velhice. Os nomes, os lugares e a memória próxima se vão e ficam junto com os detalhes do passado longínquo, também as lembranças dos grandes feitos – aqueles onde acreditamos que a “mão de D’us ou da vida” esteve envolvida. O neto ou bisneto acredita que a vovó que o tem no colo foi a menina sensual, uma pessoa ávida por conquistas, alguém que tinha medo de vir a crescer, que tinha medo de perder seus pais, que brigou pelo sustento, que alienou-se na preocupação apenas consigo… todas estas pessoas que o futuro guarda para quem é criança a avó ou o avô já foram. Mas não é para saber que uma criança vem ao mundo. Vem sim para viver, para experimentar por si. O que é o começo? É o lugar desde onde não faz sentido “saber” o que veio antes, mas o lugar a partir do qual faz sentido viver o que virá depois. Antecipar o que será porque já foi é a componente mais grave da depressão. Saber compreender o processo de “bereshit”, o processo de dar inícios porque se deu fim é o grande segredo da própria vida. O shabat é baseado neste conceito: a semana se recria na medida em que a anterior realmente finda. Quando contabilizamos “a mão forte” que se apresentou na semana que passou, sabemos então enxergá-la como tendo sido finda. Conta uma história que um americano conversava com um Mestre aflito com seu futuro enquanto comia uma tangerina. Ele lhe contava sobre seus projetos para o futuro e o que desejava realizar enquanto arrancava a casca da tangerina e a engolia nervosamente. O americano desejava saber o que o Mestre pensava de seus planos. O Mestre lhe disse: “Não acho nada! Mas acho importante que você faça as pazes com os gomos da tangerina que está comendo. Se você não consegue aproveitar o que está em sua boca como pode fazer projetos para o futuro. O começo, o bereshit, o início do projeto de D’us é a capacidade de não se perguntar tanto sobre o antes ou mesmo o depois. D’us come bem suas tangerinas, tanto que nos dá o sábado, o descanço como primeiro ensinamento a ser emulado. Não tenha dúvida de que houve antes. Outros processos se desdobraram e maturaram até que este bereshit, o começo de nossa civilização tivesse surgido. Porém não nos cabe “saber” pois não é da ordem do que experimentaremos. Neste meio tempo, curiosidades saciadas ou não, a tangerina continua muito especial. Infeliz daquele que não a saboreia – este ainda não “começou”. Mas se você é muito curioso mesmo saiba para mistério e terror (duas experiências do saber) que o que veio antes do começo foi um fim. [1] II. Drashá da Semana: Parashat Bereshit, Por Rabino Uri Lam D’us criou o ser humano à Sua imagem; criou-o à imagem de Deus; criou-os masculino e feminino. D’us os abençoou; D’us lhes disse: Frutifiquem e sejam diversos (Gênesis 1:27-28) A ordem é diferenciar. A descrição do início do mundo, conforme o livro de Gênesis, começa com a letra bet, a segunda do alfabeto hebraico, indicando que, logo no início, o mundo não era uma coisa só. O primeiro verbo usado é bará, criou – que também começa com bet. O universo é descrito, no princípio, com duas extremidades: shamáim – o céu; e áretz – a terra. No início o mundo foi criado com muita coisa, mas tudo junto ao mesmo tempo agora – um tohu vavohu, na expressão bíblica; um vai e vem e vai e vem infinito. Aos poucos, Deus foi colocando ordem na casa: luz e escuridão foram criadas juntas, Mas Deus as separou em duas; só depois de separadas foi possível nomeá-las: dia e noite. Do mesmo modo, as “águas” foram criadas misturadas; Deus então as separou em “águas abaixo do firmamento” e “águas acima do firmamento”. O firmamento foi chamado de shamáim – e eis que ou temos um homônimo dos céus primordiais, ou aqui a Torá sinaliza que pode haver algo para além do “primeiro céu”, além das primeiras percepções. Em outras palavras: se o mundo físico tem seus limites estabelecidos como céu e terra, pode haver um mundo que vá além destes limites e crie novas dualidades: mundo espiritual e mundo material; mundo terrestre e mundo extraterrestre; mundo perceptível aos sentidos físicos e mundo perceptível aos sentidos espirituais. E o fato de o mundo espiritual não ser perceptível pelos sentidos físicos não significa que não exista, nem que seja menos legítimo. Assim como, segundo a Torá, Deus criou o mundo indiferenciado e Ele mesmo assumiu para Si a missão de separar uma coisa da outra, do mesmo modo Deus criou o ser humano indiferenciado e tomou para Si a missão de diferenciá-lo em masculino e feminino. Conforme o midrash de Bereshit Raba (Seder Bereshit 8), Rav Irmiá ben Elazar afirmou: “Quando o Sagrado, Bendito Seja, criou o primeiro ser humano, Ele o criou Andrógino”… Rav Shmuel bar Nachman complementou: “Ele o criou com dois rostos e fez nele duas costas: uma para cá e uma para lá.” Baseado nesta opinião, entende-se que quando Deus faz Adão adormecer para lhe retirar uma costela e dela criar “uma ajudante”, o termo usado para “costela” representa, de fato, um ser inteiro, um dos lados do Ser Andrógino primordial. Assim, a mulher não é uma parte do homem, mas sim uma parte deste primeiro Ser Humano, exatamente como o homem. Ao se falar de Adam na Torá, uma das interpretações possíveis é que a Torá se refere a ser humano, não somente ao homem. Adam foi criado originalmente com uma mistura indiferenciada de características masculinas e femininas – independente do sexo físico! Em algum momento, este ser andrógino foi adormecido e despertou em uma nova condição – ou duas novas condições: (1) um ser humano com características masculinas mais visíveis; (2) um ser humano com características femininas mais visíveis. Pru Urvu – frutifiquem e sejam diversos – A primeira benção de todos os tempos vem antes do mandamento divino “frutifiquem, sejam diversos e preencham a terra” (Gên. 1:28) Para todos os seres vivos, isso significa basicamente “crescei e multiplicai-vos”, conforme a tradução da maioria das edições bíblicas. Isso está comumente relacionado à condição de espécies diferenciadas em macho e fêmea que se unem para gerar novos exemplares da mesma espécie, eternizando-a, por assim dizer. Mas será que Deus não abençoou as espécies que não têm macho e fêmea e, contudo, também frutificam e se multiplicam? E o que dizer do ser humano? Ao longo dos séculos foi construída uma prerrogativa moral cuja base é que a única leitura possível para este mandamento era a leitura concreta, física. Quero propor outra leitura – entre as tantas possíveis: no que diz respeito ao ser humano, pru urvu pode significar não apenas crescer e multiplicar-se em número de indivíduos através de relações sexuais entre um homem e uma mulher, mas frutificar e diversificar-se de tantos outros modos: culturalmente, socialmente, religiosamente, espiritualmente… para além do macho e fêmea em comum com os animais, no ser humano o masculino e o feminino se unem e se separam e se combinam numa gama de possibilidades que preenche toda a terra em sua diversidade. Em resumo: Bereshit – D’us criou o mundo a partir do múltiplo, do bet, tendo por limites céu e terra – e tudo o que há entre um e outro em toda a sua diversidade, dentro da qual D’us criou o ser humano andrógino, “masculino e feminino os criou”: “E D’ us observou tudo o que havia feito – vehine tov meod [e eis que é muito bom]…” (Gên. 1:31) Diversos rabinos fizeram um belo jogo de palavras entre os termos Adam e meód (de vehine tov meod). Ao se darem conta de que a palavra hebraica Adam (םדא) tem as mesmas letras hebraicas que a palavra meod (דאמ) – a diferença é que na primeira a letra mem está no fim e, na última, está no início – concluíram que quando D’ us disse, tov meod, Ele quis dizer tov Adam: Adam é bom. Não somos ótimos nem somos “muito bons”. Somos bons – ou potencialmente bons; ou ainda potencialmente maus: é uma opção nossa. Cada ser humano tem, pelo menos, uma dupla criação: o midrash novamente dá uma bela interpretação à enigmática afirmação bíblica na qual D’us afirma “façamos o ser humano à nossa imagem e semelhança”. Se D’us é Um, com quem Ele faz o ser humano para dizer “façamos”? Rav Samlai dizia que o ser humano é criado por seus pais e pela Presença Divina. Somos parceiros de D’us na obra da criação de nossos filhos e filhas. Se eles serão “malcriados” ou “bem criados”, será decisão nossa; todas as opções entre os céus e a terra estão à nossa disposição. Que tenhamos sabedoria e discernimento, amor e sensibilidade para fazer as melhores escolhas. Esta semana comemoramos Simchat Torá, a Festa da Alegria da Torá. Que a Torá nos sirva de inspiração para admirarmos a diversidade da Criação e para fazermos nossas escolhas dentro desta diversidade, sem menosprezar as demais escolhas possíveis, feitas por outras pessoas, tão Adam quanto nós. A ordem é crescer e diversificar-se. Há mais de um caminho para se alegrar com a Torá e cumprir o que D’us espera de nós. [2] III. Adão teve ancestrais? Por Dr. Gerald Schroeder* A revista, Scientific American traz, com freqüência, artigos que tratam de algum aspecto da origem humana. Mas nenhum jamais menciona Adão e Eva. A omissão não surpreende. As pesquisas científicas lidam com aspectos físicos da realidade, enquanto a criação bíblica de Adão está relacionada com a espiritualidade da neshamá, a alma da humanidade insuflada por D’us em Adão, há quase 6.000 anos, em Rosh Hashaná. Esta é a criação singular descrita em Gênese 1:27. E o corpo de Adão? Será que também foi uma criação especial? Ou será que existe a possibilidade do corpo humano ter-se desenvolvido através dos tempos, até se tornar um recipiente capaz de receber e conter a neshamá, a alma humana? (A título de esclarecimento, o termo “Adam” refere-se a homem e mulher, como menciona a Bíblia em Gênese 5:2, algo como “ser humano”). Anatomicamente, o corpo humano parece de fato estar relacionado com formas de vida menos complexas. Muitas das enzimas que controlam as funções humanas são réplicas quase perfeitas das encontradas em outros filos, ou reinos. O gene que controla o posicionamento e a orientação do braço humano é encontrado em todos os vertebrados e também nos insetos. A semelhança é tamanha que quando porções deste gene humano são implantadas no genoma da mosca drosófila, determinam o posicionamento e a orientação da asa da mosca. O mesmo serve para os genes que controlam o desenvolvimento do olho e um grande número de outros. Estes genes têm mais de cem pontos ativos. A semelhança entre eles pode não ter sido mera coincidência. Para os cientistas, estes fatos indicam a existência de um ancestral comum. Os ossos dos membros inferiores do crocodilo e a nadadeira da baleia bicuda são os mesmos do braço e mão de um homem; diferem no comprimento, é claro, mas todos os ossos existem. A estrutura do cérebro humano espelha o cérebro de ratos e macacos. O embrião humano desenvolve uma bolsa de gema semelhante à gema das ovas dos peixes, a seguir uma cauda e, então, a pele prega-se de forma semelhante às fendas das guelras. A ontogenia do feto humano parece ser uma recapitulação da filogenia, lembrando sempre que, em cada estágio, é a estrutura primitiva ou juvenil – e não a adulta – que se forma no feto. Apesar de serem escassos e incompletos os fósseis atribuídos ao Homo habilis e ao Homo erectus, quando se alcança o estrato de 50.000 anos atrás, muitos fósseis do “homem de Cro-Magnon” são encontrados em número suficiente para encher os museus. O fóssil do “homem de Cro-Magnon” é uma cópia exata do esqueleto do homem moderno, inclusive no formato e capacidade cranianas. As publicações científicas sobre esses fósseis e os artefatos a eles associados não são fruto da maquinação de alguns cientistas loucos. Existem evidências esmagadoras tanto sobre a invenção da agricultura, há 10.000 anos, como da tecelagem, há 9.000 anos, e da olearia, há 8.000 anos. Existem pinturas em caverna que datam de 10 a 30 mil anos atrás. Do ponto de vista teológico, desmentir estas evidências é contraproducente.
Aliás, não há por que negá-las, desde que acreditemos que sejam válidas as interpretações bíblicas do Talmud feitas por grandes sábios como Onkelos, Rashi, Maimônides e Nachmânides. A primeira objeção à possibilidade de Adão ter um ancestral é temporal. Agricultura há 10.000 anos? Como pode ser verdade, se afirmamos que neste Rosh Hashaná, setembro de 2002, o mundo completará 5763 anos? Onde ficaram os anos que faltam? Em Leviticus Rabá (29:1), como em outras fontes, constatamos algo com que todos os sábios concordam: Rosh Hashaná comemora a criação da alma de Adão e os “Seis dias da Gênese” não estão incluídos nos anos do calendário. No entanto, o Talmud (Haguigá 12A) e Rashi, baseando-se no versículo “Era tarde e era manhã, um dia” (Gênese 1:5), informam-nos que os dias da Gênese são de 24 horas, desde o “primeiro dia”. Se cada dia tem 24 horas, por que então excluir esses seis primeiros dias, de 24 horas, do restante dos dias – também de 24 horas – que se seguem à criação de Adão? Nachmânides nos dá uma resposta: estes primeiros seis dias contêm todas as eras e todos os segredos do universo (comentário em Êxodo 21:2 e Levítico 25:2). Foi necessária a descoberta de Einstein sobre a relatividade do tempo para resolver o aparente paradoxo: como poderiam todas as eras do universo estar contidas em apenas seis dias, de 24 horas cada? Se olharmos a Criação de uma maneira retrospectiva, usando o hoje como ponto de partida, nosso imenso universo aparenta ter de 10 a 20 bilhões de anos. Mas se olharmos para a Criação projetando-a para o futuro, da forma como é descrita no capítulo 1 do livro Gênese, visualizando o universo a partir de uma época em que seu tamanho era 1.012 vezes menor do que é atualmente, ou seja, a partir do primeiro dia, o universo pareceria ter meros seis dias de vida. Esta é a natureza de “tempo” em um mundo em que as leis de relatividade fazem parte das leis da natureza. A interpretação padrão do redshift (o deslocamento para o vermelho, fenômeno causado pelo aumento do comprimento da onda de radiação e a redução simultânea da freqüência de radiação) – como efeito da expansão do universo – prevê que o mesmo fator de deslocamento aplica-se a índices observados de ocorrência de eventos distantes, mesmo quando a época é tão anterior que o fator não possa ser observado na radiação detectada. Então o tempo da existência da agricultura é de 10.000 anos e das pinturas nas cavernas de 30.000 anos. A pergunta é se estas invenções anteriores a Adão ameaçam a visão da Torá sobre nossas origens. A união de teologia e paleontologia – “E D’us disse: Façamos o homem (em hebraico, Adam)” (Gên. 2:7); “E D’us criou o homem (em hebraico, Adam)” (Gên. :27) Aqui a Torá nos ensina que Adão é “feito” e “criado”. Nós até sabemos a matéria-prima utilizada para sua produção. “D’us formou o homem do pó da terra” (Gên. 2:7). Mas se analisarmos paralelamente duas passagens da Bíblia: “No início, D’us criou o céu e a terra” (Gênese 1:1) e “pois que em seis dias D’us fez os céus e terra” (Êxodo 31:17), constatamos que enquanto o uso bíblico da palavra “criação” sugere uma ação instantânea de D’us, “fazer” na linguagem bíblica é um processo que exige tanto matéria quanto tempo, como está dito: “pois que em seis dias”. Com o passar do tempo, algo foi criado – Adão, mas este ser não estava completo. Faltava-lhe receber a alma da vida humana. Se a formação e o desenvolvimento do homem – de Adão – foi um processo que durou um milésimo de segundo ou milhões de anos, não é algo que a Torá deixe claro. Alguns versos nos dão uma pista, talvez uma resposta definitiva. O Talmud (Eruvim 18A) se detém sobre o nascimento de Set, terceiro filho de Adão e Eva, analisando por que a Torá relata duas vezes seu nascimento. “E tornou Adão a conhecer sua mulher, e ela deu a luz um filho a quem chamou Set” (Gênese 4:25). “E viveu Adão 130 anos, e ele teve um filho à sua semelhança e forma. Ele o chamou de Set” (Gênese 5:3). Segundo o Talmud, estes dois versos revelam que, após o assassinato de Abel por Caim, Adão e Eva se separaram maritalmente por 130 anos, e somente então Adão deitou-se “novamente” com Eva. Durante estes 130 anos, Adão procriou filhos com outros seres, não com Eva. O Radak comenta que esses filhos eram de fato crianças. Faltava-lhes, no entanto, a neshamá, a alma, para torná-los seres humanos. Maimônides (Guia 1:7), baseado em Eruvim e no Zohar, descreve estas crianças como sendo seres humanos em forma e inteligência, mas nada humanos em espiritualidade. Nachmânides concentra-se num prefixo supérfluo, lamed, em hebraico, que transmite a idéia de transformação através de uma ação externa. No caso, o insuflar da alma. Assim, “… e soprou por suas narinas a neshamá da vida e Adão transformou-se em uma alma viva”. Segundo o comentário de Nachmânides, um dos maiores sábios e cabalistas, a preposição “em” é usada para indicar uma mudança na essência da personalidade e “pode ser que o verso esteja afirmando que Adão era um ser vivo completo e a neshamá o transformou em outro homem”. Outro homem! De acordo com Nachmânides, havia um homem antes da criação da neshamá, mas aquele ser hominídio não era exatamente humano. Onkelos resumiu tudo isso, 400 anos antes do Talmud e mil anos antes de Nachmânides. A expressão nefesh chayá, uma alma viva, aparece três vezes nesta porção da Torá: para animais que vivem na água (Gên. 1:20), para animais que vivem sobre a terra (Gên. 1:24) e para humanos como “… em uma alma viva” (Gên. 2:7). Nos primeiros dois casos, Onkelos traduz o termo literalmente, “uma alma viva”. Mas para os seres humanos, por causa da preposição “em”, Onkelos traduz o termo como “e Adão transformou-se em um espírito falante”. A capacidade de se comunicar espiritualmente é o que faz os homens serem diferentes de todos os outros animais. Não é nossa força, nem nossa inteligência. Mas nossa espiritualidade. A fala é, nos homens, o elo entre os aspectos físicos e espirituais da existência. É a neshamá que faz esta ligação e nos impele a sentir a unidade transcendental que permeia toda a existência e da qual trata o Shemá: “Ouve, Israel, o Eterno é teu D’us, o Eterno é Um”. A unicidade transcendental é a marca do Eterno. Hominídios, com feições humanas, co-existiram e precederam Adão. Os antigos comentaristas bíblicos estavam cientes dessa realidade. A descoberta de seus fósseis não constitui surpresa para a Torá. Na definição bíblica, um homem é um animal – um hominídio – no qual foi insuflada a alma criada, a neshamá. Apesar de a neshamá não deixar nenhum vestígio fossilizado para provar sua aparição na história da humanidade, o efeito de sua criação está claramente gravado nos achados arqueológicos. A escrita, o comércio e o surgimento das grandes cidades datam de 5.000 a 6.000 anos atrás, a época de Adão. A escrita foi criada para satisfazer as necessidades de se manterem registros sobre o comércio; e o comércio, por sua vez, foi criado para satisfazer as necessidades materiais das grandes cidades. A pergunta que permanece sem resposta, então, é: por que as grandes cidades emergiram nesta época? Minha sugestão de resposta é que a espiritualidade dos humanos concedida pela neshamá e o desejo de transmitir esta espiritualidade para os outros foi a força motriz que transformou a civilização de grupos de aldeias formadas por clãs em cidades, como Uruk e Ur, na Mesopotâmia. * Gerald Schroeder obteve os titulos de Bacharel, Mestre e Doutor pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT). É autor dos livros Genesis and the Big Bang, sobre a descoberta da harmonia entre a ciência moderna e a Bíblia, editado pela Bantam Doubleday e já traduzido em sete idiomas; The Science of G-d e The Hidden Face of G-d, editados pela divisão Free Press da Editora Simon & Schuster. Leciona na Faculdade de Estudos Judaicos “Aish HaTorah”. [3] IV. Homens sábios e suas histórias – Retratos de mestres da Bíblia, do Talmude e do hassidismo – Companhia das Letras, Por Elie Wiesel Sansão, herói e protetor de seu povo, cuja única fraqueza o conduziu a um fim trágico. O rabino Yehoshua ben Levi, que, após uma vida dedicada à bondade, recebeu a permissão de visitar o Céu antes de morrer, e lá tentou roubar a espada do Anjo da Morte para garantir o mesmo destino ao restante da humanidade. essas são as histórias que Wiesel reconta em “Homens Sábios e Suas Histórias”. “Comentar um texto é, antes de tudo, estabelecer com ele uma relação de intimidade: exploro suas profundezas para captar seu significado transcendental. Em outras palavras, ao comentar um texto, elimino distâncias. Leio uma frase formulada pelo rabino Akiba, talvez lá no outro lado dos mares e dos séculos e, a fim de penetrar seu intenso original, deixo-a percorrer outras frases para emergir em minha mente.” [4] |
Fontes: [1] CJB, Barra de Tijuca:http://www.cjb.org.br/netsach/festas/simcha%20tora/simcha.htm
[2] SIB – Sociedade Israelita da Bahia: http://sibenews.wordpress.com/2013/09/23/drasha-da-semana-parashat-bereshit/
[3] Revista Morasha, Edição 38 – Setembro de 2002, Artigo publicado pela Aish HaToráh em seu site: http://www.morasha.com.br/conteudo/ed38/adao.htm
[4] Visão Judaica: http://www.visaojudaica.com.br/Fevereiro2007/livros/livros.htm
Coordenador: Saul Stuart Gefter
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