Disse Rabi Shimon: “O Mundo apoia-se sobre três pilares: Sobre a Torá, o serviço Divíno e a bondade”
- Idolatria: Reflexões e significados ontem e hoje – Por: Sergio Feldman
Os leitores do Visão Judaica acharão o tema estranho, impróprio, e anacrônico. Mais uma extravagância ou provocação do colunista. Há meses reluto em desenvolver uma reflexão sobre o tema, por recear que seja “politicamente incorreto”. Mas quando percebemos que a crise existencial e espiritual transcende as barreiras da diplomacia, deve-se pedir desculpas aos leitores e ousar dizer que “o rei está nu”, como no conto tradicional “A roupa nova do rei”.
Vivemos num mundo de idolatria. O século XX foi permeado por ideologias e causas políticas que idolatravam líderes, valores e conceitos totalitários, causas messiânicas e ideologias dotadas de verdades absolutas. Quanto se odiou e se matou em nome de verdades únicas e absolutas através da história e ainda mais em tempos recentes. Os ídolos de pedra transmutaram-se em Hitler, Stálin, nacionalismos e teses perversas de superioridade racial ou nacional; muitas vezes são imagens falsas, que camuflam interesses de classes ou grupos que devem prevalecer. Os ídolos continuam no altar, seguem cegando os seus adoradores e desviando-os do exercício de sua plena humanidade. Aqui entra a visão judaica, humanista e universal, que objetiva interpretar o texto bíblico e utiliza-o para criticar a realidade, na busca de valores que humanizem as nossas relações com o próximo.
Iniciemos pelas fontes. As fontes primordiais do judaísmo estão no Pentateuco (Torá). A atitude de Abraão, o primeiro hebreu e iniciador tradicional do Pacto (Brit), serve de referência. Há uma lenda talmúdica (Agadá), sem fundamento no texto bíblico, mas que está plenamente fundamentada nos valores e na ideologia da Torá, que relata que o pai de Abraão, denominado Terach, teria sido um escultor de ídolos. Abraão teria rompido com seu pai, tornando-se o primeiro iconoclasta (destruidor de ídolos): promove uma destruição de ídolos e afirma que estes teriam “pelejado”, e um ídolo teria quebrado os demais. O processo culmina quando Abraão sai da terra e da casa de seu pai, e inicia o Pacto e o encontro com o D’us único.
Um rompimento radical com a tradição de seus ancestrais, pois numa família de idólatras e politeístas, não se poderia adorar um D’us único e sem “forma” material (absolutamente espiritual).
O Judaísmo constrói como eixo central, dois axiomas:
- a) D’us é um só, uno e indivisível, criador de tudo que existe neste e em outros mundos;
- b) D’us não é material, não tem forma ou imagem, não podendo ser feitos ídolos ou imagens que o simbolizem. A prova de minha afirmação é simples e de fácil averiguação: os Dez Mandamentos. Há apenas três que se referem especificamente a D’us: os três primeiros. O quarto se refere ao Sétimo Dia (Shabat ou descanso), no qual D’us descansou após concluir a Criação. Trata-se de um mandamento intermediário entre os três primeiros (relativos a D’us) e os seis últimos, que gerem as relações entre os seres humanos (não matarás, não roubarás, etc). Quais são os três primeiros mandamentos? O primeiro define a condição de D’us, como o D’us que libertou o povo da escravidão no Egito. Simples, breve e sem mais detalhes. A condição de criador do mundo, onipotente e onipresente, não aparece. É apenas o D’us que liberta. O terceiro mandamento adverte para a necessidade do uso adequado do Nome divino: “não usarás o Nome de D’us em vão”. Também é um mandamento breve e sugestivo, exigindo que não se jure em falso ou se afirme inverdades, ou obscenidades usando do nome de D’us.
O segundo mandamento é um dos mais extensos e detalhados: preenche quatro versículos, tanto no texto original hebraico, quanto nas traduções. Explica com clareza que não se pode ter outros deuses e não se pode fazer imagens, esculturas ou desenhos de nenhum ser vivo, seja humano ou animal. Está implícito que esta rígida proibição tem como objetivo, evitar qualquer tipo de idolatria ou adoração de imagens. Não há espaço para interpretações: o texto condena a idolatria e adverte para severas punições aos idólatras e a seus descendentes.
Em todo o Pentateuco (Torá), um dos eixos temáticos mais presentes, sempre é o combate à idolatria. Isso transcende o Pentateuco e se torna tema constante da Bíblia hebraica (Tanach – Torà, Niviim, Ketuvim), imprecisamente denominada por muitos, como o Velho Testamento. A partir do livro de Josué que descreve a ocupação da terra de Canaã pelos filhos de Israel (Bnei Israel), não há livro que não possua descrições diversas da “contaminação” idólatra do povo hebreu, e severas advertências de castigos divinos em função da idolatria e do abandono do Pacto. O combate à idolatria é a temática central da Bíblia hebraica.
Isso se configura entre os livros proféticos. Os profetas hebreus têm dois eixos temáticos principais: o combate à idolatria e à injustiça social. Raros são os profetas que não abordam estes dois temas. O Exílio da Babilônia (586-536 a. e. C.=antes da Era Comum), despertou a consciência coletiva de que D’us os punira, enviando-os ao cativeiro, em virtude de seus erros: idolatria e injustiça social. Isso determinará mudanças no comportamento coletivo que delinearam um radical abandono da idolatria, entre os judeus no pós-exílio, no período do 2º Templo (536 a. e. C. – 70 d. e. C.).
A idolatria desaparece, mas não é esquecida: os sábios e rabinos condenam severamente sua prática e apontam para a importância de seguir respeitando o segundo mandamento. Alguns comentários são interessantes de serem analisados. Vejamos alguns.
No Talmud, tratado Chulin, se afirma: “Quem nega a idolatria é como se cumprisse toda a Torá”. Um dos grandes mestres chassídicos, Menachem Mendel Morgenshtern (1787-1859), conhecido como o “Kotzker Rebe”, adverte de maneira tão sensível e profunda para o risco de se mecanizar os preceitos (mitzvót, ou atos realizados no cumprimento de um mandamento) transformando atos originalmente religiosos, em uma espécie de ídolos. Afirma que a proibição de fabricar ídolos inclui a proibição de transformar em ídolos, as sagradas mitzvót. Adverte que não se deve achar que o principal objetivo de uma mitzvá, seja a sua “forma” exterior, e que seu significado interior deva ser subordinado à sua prática mecânica e formal.
Seria algo como agir sem sentir, fazer porque devo fazer, ou agir pelo medo do castigo divino. Uma versão religiosa do filme de Charles Chaplin, “Tempos Modernos”, aonde o ser humano mecanizado e desumanizado, repete gestos e ações de maneira formal, e se “aliena” de seus objetivos humanos. Idolatria à moda religiosa judaica, de acordo ao “Kotzker Rebe”, grande sábio e respeitado rabino chassídico. Sem dúvida, suas observações servem para refletir sobre problemas de nossos tempos e realidades.
Voltando ao Talmud, percebemos que a preocupação com a idolatria não cessa, apesar deste problema ter desaparecido no seio da comunidade judaica e do Judaísmo, no final do mundo antigo e em toda a Idade Média. Os sábios admitem que um judeu possa sofrer o martírio (aceitar ser morto), caso seja obrigado a optar entre a morte e uma entre três opções: incesto, homicídio ou idolatria. É preferível morrer do que assassinar um ser inocente, cometer o incesto ou adorar ídolos (Sanedrin 74 a).
Isso coloca a idolatria como um dos “pecados capitais”, se assim pudéssemos conceituar, no Judaísmo. É preferível morrer “em santificação do Nome Divino” (Al Kidush Hashem), do que reverenciar ídolos. Através da história, muitos judeus foram martirizados ao serem colocados entre a opção de apostasia (renúncia ao Judaísmo e conversão a outra religião) ou serem mortos. O melhor exemplo ocorreu nas Cruzadas e foi retratado em obra recente de meu mestre Nachman Falbel. O termo Al Kidush Hashem é usado para as vítimas do Holocausto (Shoá), mas neste caso não havia escolha entre morrer ou se converter.
A negação da idolatria adquire tal importância que em alguns trechos do Talmud, admitem que “o que reconhece a idolatria repudia a Torá inteira, mas repudiar a idolatria equivale a aceitar toda a Torá” (Midrash, Sifré Devarim, Reé 54:86 b). Isso permite concluir que negar a idolatria seja um ato de fé tão grande que nada se iguala ao mesmo.
Se direcionarmos nossas reflexões, veremos que há a possibilidade de realizar algumas leituras contemporâneas da temática da idolatria. Haveria sentido repensar a idolatria em nossos dias.
Uma grande parte de nossas comunidades vive afastada das praticadas mitzvót e alheia ao Judaísmo. Parece-lhes que se trata de um arcaísmo, de algo antiquado. Como relacionar o cotidiano tenso de nossa vida, os problemas que passamos com as reflexões judaicas. Talvez possamos sugerir uma visão diferenciada e uma nova forma de aproximação.
Num breve e superficial raciocínio queremos direcionar a reflexão para o fato, que vivemos escravos do cotidiano, dos bens materiais, da riqueza e do poder. Vivemos para ter, acumular, obter bens e riquezas e não para desfrutá-las. O livro de Isaías traz alguns trechos profético-literários, que misturam poesia, crítica social e religiosa, com uma “pitada” de ironia. Um destes trechos descreve o artesão fabricando o ídolo (Isaías cap. 44, vers. 9 a 20). Toma a “matéria” (madeira ou metal) e fabrica com parte dela um ídolo. O restante da madeira queima para cozinhar. E se curva diante de sua “obra” e reverencia o “seu deus” que ele mesmo criou.
Assemelha-se ao ser humano (ou um grupo) que cria o Estado e o diviniza. Que “cria” um partido ou liderança e acredita que seja o seu “Salvador”. Que veste a camisa de seu time e agride torcedores de outra agremiação, achando que está agindo em defesa de valores ou princípios valiosos. Trata-se da “cegueira nossa de cada dia”. Somos idólatras de nosso narcisismo, de nosso chauvinismo, de nossos complexos de superioridade, achando que a pele clara, ou a conta bancária nos torna melhor do que nossos semelhantes. Alheios ao fato que somos todos moradores deste mesmo mundo, descendentes de Adão ou até mesmos dos hominídeos. A humanidade é uma só. Idolatramos a riqueza e o poder, alheios ao fato que o gênero humano tem a mesma origem e o mesmo destino.
Idolatramos novos deuses, novos ídolos, e os fabricamos tal qual Isaías descreve. Ousaria dizer que ainda não somos livres. Uns vivem atados à prática cega das mitzvót, sem conseguir enxergar seu “espírito” e restringindo-se a sua forma; outros se agarram a um materialismo e a um consumismo ferrenhos. Acumulam e guardam mais do que podem usar, tal como descreve Isaías, juntando tantas terras que ficam sozinhos no meio delas (cap. 5, vers. 8). O resultado de tanto materialismo é um vazio espiritual: crise existencial e a necessidade de buscar ajuda, através de terapias e de antidepressivos.
Os ídolos nos consomem, nos esvaziam e nos tornam dependentes do material. Os bens e a riqueza devem ser o meio, mas nunca a finalidade de nossas vidas. Acumular bens é muito válido, se for para viver com dignidade e para fazer o bem ao próximo. Não é pecado enriquecer e tampouco ter bens materiais, mas não se pode viver em função de acumular. Deve-se distinguir os meios e as finalidades da nossa vida. Isso é a mais pura idolatria.
Portanto propomos repensar sobre o Judaísmo. Nossas raízes podem nos abrir uma gama enorme de reflexões, uma enorme variedade de atitudes e caminhos, gerando um saudável questionamento e alimentando nossa espiritualidade. Não convém agir de maneira cega e mecânica, mas tentar atuar de uma forma crítica e coerente com os tempos em que vivemos. Sem fanatismo, verdades absolutas e excludentes e com coerência com os princípios de um mundo que deve caminhar para a aproximação entre os seres humanos, respeitadas as diferenças étnicas e religiosas. *
* Sergio Feldman é professor adjunto de História Antiga do Curso de História da Universidade Tuiuti do Paraná e doutor em História pela UFPR. [1]
- O segundo templo – …O Talmud nos ensina que o primeiro Templo Sagrado de Jerusalém foi destruído por causa dos atos de idolatria, homicídios e imoralidade, comuns entre os judeus. Durante a época do Segundo Templo, os judeus estudavam a Torá e respeitavam suas leis, além de praticar atos de caridade. Todavia, eles se odiavam. Nossos sábios equiparam o ódio infundado com os pecados capitais da idolatria, imoralidade e homi-cídio.
Um midrash lança mão da linguagem figurativa para relatar o seguinte conto e a lição óbvia a ser tirada: na noite de Tisha B’Av (a data que marca a destruição dos dois Templos Sagrados), a alma de nosso patriarca Avraham adentrou o “Santíssimo” – o lugar mais sagrado do Templo em que apenas o Sumo Sacerdote, o Cohen Gadol, podia entrar em Yom Kipur. O Todo-Poderoso, Bendito Seja, segurou a mão de Avraham e o fez caminhar com Ele. D´s perguntou, O que te traz, filho amado, à Minha Casa?” (Jeremias 11:15). Avraham respondeu: Meu D´us, onde estão meus filhos? D´us disse, Eles pecaram, portanto os exilei entre as nações. Avraham argumentou, Mas não havia nenhum virtuoso entre eles?
D’us explicou, …Cada um se regozijou com a ruína do outro (Midrash Eicha Rabba 1:21).
A história de Kamtza e Bar Kamtza é simbólica desse ódio infundado e de como as pessoas respeitavam “a letra” da Lei, mas desonravam seu “espírito”. A lei judaica permite violar até mesmo uma proibição da Torá por meio da oferenda de um animal maculado no Templo em prol da manutenção de boas relações com um governo não-judaico, evitando, dessa forma, o risco de perder vidas.
Todas as proibições, com exceção da idolatria, assassinato e atos imorais como adultério e incesto, são permitidos quando o objetivo é o de sal- var vidas. O Talmud também ensina que a tolerância e a compaixão quando mal orientadas, como no caso demonstrado pelo Rabi Zechariah ben Avkulus, levaram à destruição do Templo. Qualquer pessoa que esteja, de forma justificada, incitando o governo contra seus irmãos judeus, pode ser condenada à morte. Por outro lado, o sábio que não permitiu o sacrifício de um animal maculado no Templo também recusou sentenciar Bar Kamtza à morte, apesar de sua trama diabólica.
Há muitas lições a serem tiradas do incidente entre Kamtza e Bar Kamtza e da guerra civil insensata que resultou na Diáspora de quase 2.000 anos. Mas, acima de tudo, há a lição do Talmud na conclusão dessa trágica história: Rabi Elazar disse: ‘Venham ver como é grande o poder da vergonha! Pois o Todo-Poderoso, Bendito Seja, permitiu que Bar Kamtza se vingasse da vergonha pela qual passou e Ele destruiu Seu Templo’” (Gittin 57a)… [2]
III. Perguntas e Respostas –
Pergunta Enviado por: Daniel, Tópico: Idolatria
Rabino Shalom: estaria interessado em saber exatamente a idolatria, ou mais especificamente o que se entende por atos idólatras, eu sei que é a proibição de adorar imagens ou ter figuras religiosas ou imagens na casa de um, (santos, virgens, JC e outros), mas gostaria de conhecer outros atos da vida hoje são alcançados por esta proibição e podem ser consideradas idólatras.
Muito obrigado pela sua atenção, Daniel…:
Shalom Daniel: É muito bem idolatria definido.
Vamos, então, perguntar o que “se entende por atos idólatras” e “saberia que outros atos da vida hoje são alcançados por esta proibição e podem ser consideradas idólatras.”
Para responder dizemos que há cinqüenta e um preceitos bíblicos sobre idolatria (Maimônides, Leis da Idolatria 1: 1).
Alguns deles não estão consultando os mortos, e não incitar outras pessoas a praticar a idolatria, não para formalizar acordos com os idólatras, nem os idólatras imitar o estilo de se vestir e os costumes, e não ouvir o que profetiza em nome de idolatria, feitiçaria não contorno do cabelo da cabeça de todo rapando.
Para um relatório completo, consulte a Enciclopédia de Maimônides (Mishnê Torah), nas leis idolatria parágrafo. Não são detalhados acima desses 51 preceitos, que são discutidas, expandiu-se e explicou, em 12 capítulos diferentes. Shalom …, R ‘David ben Israel [3]
III. A teologia judaica e Intermediário para a oração – … Segundo a lei judaica, o serviço religioso para um D’us dividido em três partes é considerado idolatria – um dos mandamentos pelo qual o Judeu deve preferir a morte a ter que transgredir. Isto explica porque durante a Inquisição e outros momentos da história os Judeus preferiram a morte à conversão.
… No Judaísmo, a reza é um assunto pessoal, entre cada indivíduo e D’us. Como diz a Bíblia: “D’us está próximo de todos que chamam por Ele.” (Salmos 145:18). Além do mais, os Dez Mandamentos dizem: “Vocês não devem ter nenhum outro deus perante a Mim”, isto é, é proibido que haja um intermediário entre D’us e o homem. (Maimônides – Leis da Idolatria cap. 1). (Hilkhot Avodat Kokhavim (Avodah Zarah)) [4]
- O que há de tão terrível na idolatria? Por que o judaísmo é tão intolerante quanto à idolatria? Não estou falando de templos imensos com sacrifícios humanos. Mas sim, falo do idólatra civilizado, na privacidade de seu próprio lar. Com um emprego, família, hipoteca, que faz doações para o Fundo Mundial contra a Fome e o Greenpeace – e ao invés de um D’us, ele simplesmente tem dois ou três, ou mesmo várias dúzias, todos alinhados no painel do carro.
Por que o judaísmo faz disso um pecado capital, exigindo a erradicação total da idolatria em cada canto do mundo? Desde que não prejudique ninguém, o que há de tão terrível?
Resposta: Há muitas maneiras de se responder a isso, mas tomemos uma perspectiva histórica. Os historiadores concordam que nosso atual padrão ético origina-se na ética judaica. Sim, os gregos nos legaram as ciências naturais, a filosofia e a arte; os romanos nos deram estrutura governamental e engenharia; dos persas, temos a poesia e a astronomia; dos chineses, o papel, a impressão, a pólvora, acupuntura e mais filosofia, e assim por diante. Porém o fato histórico é que todas estas culturas (e todas as outras não citadas) apoiaram e até glorificaram atitudes e comportamentos que hoje em dia abominamos universalmente.
Nos dias de hoje, se você se livrar dos filhos não desejados, praticar a pederastia, colocar seres humanos para se matarem uns aos outros por esporte, ignorar os direitos daqueles inferiores a você na pirâmide social e recusar-se a reconhecer qualquer responsabilidade social para com os pobres e os desabilitados, e mal consegue esperar para correr para a guerra contra o país vizinho, você é um bárbaro. Você teria sido um perfeito cidadão de Atenas ou Roma, mas hoje, nenhum clube o aceitaria.
De onde vêm estes valores? Existe somente uma fonte que os historiadores podem apontar: a Torá. E o mesmo ocorre com a educação universal e o ideal da paz no mundo.
Ora, isso dá a qualquer erudito um problema de monta para resolver. A História é geralmente vista como algo similar à uma floresta virgem e diversificada, onde uma coisa cresce a partir de outra. As sementes caem e brotam. As árvores ramificam e florescem, depois caem e nutrem cogumelos a partir de sua raiz apodrecida.
Toda a vegetação e criaturas da floresta dividem o mesmo ar, água e solo, e nenhuma criatura pode subsistir isolada. Assim também, uma civilização se ergue do barro, ramifica-se, e cai para tornar-se o solo nutriente para a próxima. As idéias se transformam, numa perpétua metamorfose ao passarem pelos filtros das variadas culturas. Tudo o que é, já foi – e terminará por passar.
Tudo exceto os judeus. Totalmente fora de contexto, com uma ética que fez cada nação chamá-lo de louco e absurdo, totalmente radical, sempre fora do compasso. Definitivamente, não é parte desta floresta. E no fim, sua ética leva a melhor.
Faz-se necessária alguma explicação. Antes de mais nada, de onde eles tiraram estas idéias estranhas? E dizer-me que o Todo Poderoso os tirou da escravidão e ditou tudo para eles, não funciona. É verdade, mas não basta. Porque os seres humanos somente podem ouvir aquilo que já sabem. Precisava haver alguma coisa lá que chegou antes.
A resposta clássica é que certa vez, houve um homem chamado Avraham (Abraão), vindo de Ur, na Caldéia – a base original da civilização. Ele surgiu com este padrão através de seu próprio gênio independente. É claro que ser engenhoso, bravo e dissidente não bastava. Sua missão exigia também a tenacidade e a convicção para despertar uma geração que daria continuidade a esta idéia, nadando rio acima em situação de inferioridade perante a sociedade dominante. E então, por muitas eras, esta ética provou ser a espinha dorsal mais eficaz de uma sociedade sustentável.
Agora, diga-me, algum erudito racional realmente acredita neste cenário?
Na verdade, a versão apoiada pelo Talmud e descrita em detalhes pelo Rambam (Maimônides) é muito mais crível:
A ética que Avraham apresentou ao mundo já existia desde o início. A humanidade sabia que cada pessoa era feita à Divina imagem, que a vida tinha um propósito. Que o mundo era a obra de uma entidade celestial que desejava que dele cuidássemos, e que nos julgava segundo nossos méritos. Mesmo no tempo de Avraham, indivíduos isolados resistiam e pregavam isso a seus discípulos, como uma tradição desde Adam (Adão), Metushelach (Matusalém) e Nôach (Noé).
Mas estamos falando de seres humanos. Exatamente por causa da centelha Divina dentro de si, o humano é também a criatura selvagem e louca que busca a abordagem de vida mais bizarra, capaz e pronto a fazer qualquer coisa. Assim, a sociedade humana em geral abandonou o padrão original de Adam por “aquilo que a faz sentir-se bem.” A lei tornou-se nada mais que uma forma de o rei governar seu povo.
A ética passou a ser nada mais que o costume que fosse mais confortável para a maioria das pessoas. A única medida do valor de uma vida humana era o grau de poder que a pessoa tinha. E o mundo natural era visto como um local sem valor, não valendo a pena investir em nada além daquilo que produzisse alimentos e poder sobre os outros.
Avraham não precisou começar com a humanidade a partir do zero. Ele tinha apenas que resgatar aquela ética original. Mas ele também redescobriu – e ele o fez por si mesmo – a base que tornou aquela ética sustentável: o Monoteísmo. Mais especificamente: a providência monoteísta. Para simplificar: todo adulto e criança deve saber que há um Único Criador de todas as coisas, que Se importa com aquilo que você está fazendo com Seu mundo.
Por que o monoteísmo e a providência são tão essenciais?
Voltemos à história novamente, segundo as fontes judaicas tradicionais:
Os predecessores de Avraham também sabiam do D’us Único, Criador do céu e da terra. Porém eles entendiam D’us como sendo sublime e transcendente demais para estar ocupado com este mundo profano e suas criaturas. Eles começaram a fazer pouco de Sua providência, afirmando que poderes secundários, de Seu mandato, tinham sido concedidos como uma parte do domínio.
Chegaram ao ponto de construir templos, onde concentravam suas mentes na dinâmica destas forças, atingindo alturas espirituais e poder místico. Por fim, a sabedoria deu lugar ao charlatanismo, conforme os sacerdotes diziam às massas que uma determinada estrela, deus ou deusa tinha falado com eles, ordenando-lhes que servissem a ele ou ela de uma certa maneira. Os governantes acharam que uma boa mistura de conhecimento secreto e uma mitologia conveniente poderia ser um instrumento de poder sobre o populacho; que controlando o fluxo de conhecimento, seriam capazes de manter o povo em respeito e obediência.
Foi aí que Avraham divergiu. Ele enxergou através da ordem estabelecida com sua hierarquia de conhecimento e poder, e ponderou que esta era a origem de todo o mal. Viu até o fundo disso: enquanto D’us estivesse “lá em cima” e tudo o mais fosse visto como num plano descendente, mais e mais distante de Seu domínio, este mal continuaria.
Dentro deste paradigma, a vida humana perde seu valor essencial. Você, como indivíduo, não conta mais. Tudo que importa é quão alto você está na escala. Não somente os direitos humanos, como também o avanço da tecnologia é atrasado – pela necessidade da classe dominante de manter as massas trabalhando. Todo o progresso é dar ainda mais poder ao poderoso.
A saúde pública, a previdência e a educação são um despropósito. Portanto, Avraham desafiou aquela hierarquia. Ele ensinou cada pessoa a invocar o nome do Único D’us dos céus e da terra, que julga igualmente os atos de todos os homens, desde o rei mais importante até o servo mais humilde. Ao colocar o D’us original de volta no mundo, Avraham recriou a “pessoa” – um ser humano que tem valor apenas por estar aqui.
Dentro do antigo padrão, a ética não tem uma base para se firmar. Se você não gosta daquilo que um deus exige de você, vai procurar outro deus que seja mais a seu gosto. Ou você molda estes deuses, enganando-os ou subornando-os, como eles mesmos estão acostumados a fazer um com o outro. Afinal, nenhum deles é supremo, nenhum é todo poderoso. Portanto, tudo é justificável. Então, Avraham destruiu os ídolos. Como existe somente um D’us, que supervisiona todas as coisas, a moralidade deixou de ser relativa. Todas as éticas são determinadas não pelo fluxo da conveniência social, mas por Seu padrão intransigente.
Sem a base de Avraham para a ética, a sociedade não tem estabilidade. Qualquer instituição poderia ser abalada até os alicerces, modificando as circunstâncias e os caprichos da vontade humana. Na Grécia Antiga, a instituição do casamento chegou à beira do colapso, devido às preferências pelo mesmo sexo, enquanto que em Roma, a unidade da família foi gradualmente desmantelada pela promiscuidade.
As instituições que deveriam ter nutrido a espiritualidade humana em muitas sociedades tornou-se corrupta em orgias sangrentas e na veneração aos sentidos. Em muitos exemplos, tais como oriente, com nenhum senso de responsabilidade social, permitiu-se que a pobreza crescesse em proporções incontroláveis, com imensa concentração de poder.
Em nossa época, com a origem das espécies atribuída aos místicos deuses do acaso e da lei natural, foram cometidos os mais horrendos crimes contra a humanidade, e a própria biosfera está ameaçada. Somente quando os edifícios da sociedade se erguerem sobre o alicerce sólido Daquele que Criou Tudo em Primeira Mão, uma sociedade sustentável poderá desenvolver-se.
A bem da verdade, a mensagem de Avraham também começou a perigar com o tempo. Não foi senão até que a providência monoteísta transcendesse o reino das idéias e se tornasse a real experiência de vida de um povo, que foi realmente capaz de prevalecer. E é exatamente isso que aconteceu no Monte Sinai, quando os descendentes de Avraham ficaram face a face com as ordens de agir diretamente vindas do Alto.
O conceito da “mitsvá” entrou no mundo – algo que você faz porque D’us assim o deseja. E esta base tem se provado para sempre resistente.
Quanto ao restante das nações, como escreve o Rambam, elas também receberam ordens no Monte Sinai – de cumprirem as sete mitsvot de Adão e Nôach (Noê), que incluem a proibição contra o politeísmo.
Hoje, estamos testemunhando os mais dramáticos resultados da estratégia de Avraham em ação: nosso progresso nos últimos 500 anos, até chegar à atual habilitação do consumidor com a tecnologia e a informação, somente tornou-se possível através do despertar desta ética. Em um mundo politeísta, isso jamais teria ocorrido. Foi somente depois que o povo da Europa começou de fato a ler a bíblia e a debater o que ela tinha para lhes dizer, que os conceitos de direitos humanos, responsabilidade social, o valor da vida e por fim o ideal da paz mundial tiveram seu lugar no progresso da civilização. E somente um mundo assim poderia ter desenvolvido a educação e a saúde públicas, a pensão de aposentadoria, os telefones, máquinas de fax, computadores, a Internet, o design ambiental e o desarmamento nuclear.
Estamos muito envolvidos para reconhecermos isso; o cobertor das trevas que resiste lutando até seu último alento preocupa nossas mentes. Porém se pudéssemos viajar de volta no tempo e descrever ao judeu das eras passadas o mundo que temos hoje em dia – um mundo que valoriza a vida, a paz mundial, os direitos individuais, a liberdade de expressão, o estudo, o saber e a compaixão por aqueles que possuem menos – aquele judeu sem dúvida responderia de olhos arregalados: “Quer dizer, são os dias de Mashiach (Messias)?”
Um tempo que começou quando um jovem na Suméria pegou um martelo e esmagou os ídolos na casa de seu pai.
Leitura complementar: A versão judaica da história está espalhada por todo o Talmud, mas um completo esboço está na abertura de Maimônides, Leis da Idolatria. Esta é uma leitura essencial, como também a palestra do Lubavitcher Rebe que ilumina aquele esboço, apresentada em Licutei Sichot, vol. 20, pág. 13-24. [5]
Fontes: [1] Visão Judaica: http://www.visaojudaica.com.br/Fevereiro2005/artigos/9.htm
[2] Israel News: http://politicageral.wordpress.com/category/judaismo/
[3] Judaismo Virtual: http://www.judaismovirtual.com/preguntas/1307_idolatria.htm
[4] WebJudaica: http://www.webjudaica.com.br/religiao/textosDetalhe.jsp?textoID=22&temaID=4
[5] Por rabino Tzvi Freeman, Ser Judeu: http://www.chabad.org.br/biblioteca/artigos/idolatria/home.html
Coordenador: Saul Stuart Gefter
A responsabilidade do conteúdo dessa publicação é do seu autor.
Prezado, muito gratificante as palavras aqui descritas e verdadeiras da Tora e do hebraico.
Janaina