- Introdução – O primeiro capitulo da Bíblia, conta a história de Adão e Eva …mas segundo o Zohar (comentário rabínico dos textos sagrados), Eva não é a primeira mulher de Adão. Quando D’us criou o Adão, Ele fê-lo macho e fêmea, depois cortou-o ao meio, chamou a esta nova metade Lilith e deu-a em casamento a Adão. Mas Lilith recusou, não queria ser oferecida a ele, tornar-se desigual, inferior, e fugiu para ir ter com o Diabo. D’us tomou uma costela de Adão e criou Eva, mulher submissa, dócil, inferior perante o homem.
De acordo com Hermínio, “Lilith foi feita por D’us, de barro, à noite, criada tão bonita e interessante que logo arranjou problemas com Adão”. Esse ponto teria sido retirado da Bíblia pela Inquisição. O astrólogo assinala que ali começou a eterna divergência entre o masculino e o feminino, pois Lilith não se conformou com a submissão ao homem.
O mito de Lilith pertence à grande tradição dos testemunhos orais que estão reunidos nos textos da sabedoria rabínica definida na versão ‘jeovística’, que se coloca lado a lado, precedendo-a de alguns séculos, da versão bíblica dos sacerdotes. Sabemos que tais versões do Gênesis – e particularmente o mito do nascimento da mulher – são ricas de contradições e enigmas que se anulam. Nós deduzimos que a lenda de Lilith, primeira companheira de Adão, foi perdida ou removida durante a época de transposição da versão jeovística para aquela sacerdotal, que logo após sofre as modificações dos pais da igreja.
No Talmude, ela é descrita como a primeira mulher de Adão. Ela brigou com Adão, reivindicando igualdade em relação a seu marido, deixando-o “fervendo de cólera”. Lilith queria liberdade de agir, de escolher e decidir, queria os mesmos direitos do homem mas quando constatou que não poderia obter status igual, se rebelou e, decidida a não submeter-se a Adão e, a odia-lo como igual, resolveu abandona-lo.
Segundo as versões aramaica e hebraica do Alfabeto de Ben Sirá (século 6 ou 7). Todas as vezes em que eles faziam sexo, Lilith mostrava-se inconformada em ter de ficar por baixo de Adão, suportando o peso de seu corpo. E indagava: “Por que devo deitar-me embaixo de ti? Por que devo abrir-me sob teu corpo? Por que ser dominada por ti? Contudo, eu também fui feita de pó e por isso sou tua igual.”
Mas Adão se recusava a inverter as posições, consciente de que existia uma “ordem” que não podia ser transgredida.
Lilith deve submeter-se a ele pois esta é a condição do equilíbrio preestabelecido. Vendo que o companheiro não atendia seus apelos, que não lhe daria a condição de igualdade, Lilith se revolta, pronuncia nervosamente o nome de D’us, faz acusações a Adão e vai embora; é o momento em que o Sol se despede e a noite começa a descer o seu manto de escuridão soturna, tal como na ocasião em que Jeová-Dus fez vir ao mundo os demônios.
Adão sente a dor do abandono; entorpecido por um sono profundo, amedrontado pelas trevas da noite, ele sente o fim de todas as coisas boas. Desperto, Adão procura por Lilith e não a encontra: Procurei-a em meu leito, à noite, aquele que é o amor de minha alma; procurei e não a encontrei” (Cântico dos Cânticos III, 1). Lilith partiu rumo ao mar vermelho (Diz-se que quando Adão insistiu em ficar por cima durante as relações, Lilith usou seus conhecimentos mágicos para voar até o Mar Vermelho).
Lá onde habitam os demônios e espíritos malignos, segundo a tradição hebraica. É um lugar maldito, o que prova que Lilith se afirmou como um demônio, e é o seu caráter demoníaco que leva a mulher a contrariar o homem e o questionar em seu poder. Desde então, Lilith tornou-se a noiva de Samael, o senhor das forças do mal do Outro Lado.
Como conseqüência, deu à luz toda uma descendência demoníaca, conhecida como “Liliotes ou Linilins”, na prodigiosa proporção de cem por dia. Alguns escritos contam que Adão queixou-se a D’us sobre a fuga de Lilith e, para compensar a tristeza de Adão, D’us resolveu criar Eva, moldada exatamente como as exigências da sociedade patriarcal.
A mulher feita a partir de um fragmento de Adão. É o modelo feminino permitido ao ser humano pelo padrão ético judaico-cristão. A mulher submissa e voltada ao lar. Assim, enquanto Lilith é força destrutiva (o Talmude diz que ela foi criada com imundície e lodo), Eva é construtiva e Mãe de toda Humanidade (ela foi criada da carne e do sangue de Adão).
Jehová-D’us tenta salvar a situação, primeiro ordenando-lhe que retorne e, depois, enviou ao seu encalço uma guarnição de três anjos, Sanvi, Sansavi e Samangelaf, para tentar convencê-la; porém, uma vez mais e com grande fúria, ela se recusou a voltar. Lilith está irredutível e transformada. Ela desafiou o homem, profanou o nome do Pai e foi ter com as criaturas das trevas.
Como poderia voltar ao seu esposo?
Os anjos ainda ameaçaram: “Se desobedeces e não voltas, será a morte para ti.” Lilith , entretanto, em sua sapiência demoníaca, sabe que seu destino foi estabelecido pelo próprio Jeová-D’us. Ela está identificada com o lado demoníaco e não é mais a mulher de Adão.
Acasalando-se com os diabos, Lilith traz ao mundo cem demônios por dia, os Lilim, que são citados inclusive na versão sacerdotal da Bíblia. Jeová-D’us, por seu lado, inicia uma incontrolável matança dessas criaturas, que, por vingança, são enfurecidas pela sua genitora. Está declarada a guerra ao Pai. Os homens, as crianças, os inválidos e os recém-casados, são as principais vítimas da vingança de Lilith. Ela cumpre a sua maligna sorte e não descansará assim tão cedo.
Uma outra versão diz que foram os anjos que mataram os filhos que tivera com Adão. Tão rude golpe transformou-a, e ela tentou matar os filhos de Adão com sua segunda esposa, Eva.
Lilith alegou ter poderes vampíricos sobre bebês, mas como os anjos a queriam impedir, fizeram-na prometer que, onde quer que visse seus nomes, ela não faria nenhum mal aos humanos. Então, como não podia vencê-los, ela fez um trato com eles: concordou em ficar afastada de quaisquer bebês protegidos por um amuleto que tivesse o nome dos três anjos. Não obstante, esse ódio contra Adão e contra sua nova (e segunda) mulher, Eva, resultou, para Lilith, no desabafo da sua fúria sobre os filhos deles e de todas as gerações subsequentes.
A partir daí, Lilith assume plenamente sua natureza de demônio feminino, voltando-se contra todos os homens, de acordo com o folclore assírio, babilônico e hebraico. E são inúmeras as descrições que falam do pavor de suas investidas. Conta-se, por exemplo, que Lilith surpreendia os homens durante o sono e os envolvia com toda sua fúria sexual, aprisionando-os em sua lasciva demoníaca, causando-lhes orgasmos demolidores.
Ela montava-lhes sobre o peito e, sufocando-os (pois se vingava por ter sido obrigada a ficar “por baixo” na relação com Adão), conduzia a penetração abrasante. Aqueles que resistiam e não morriam ficavam exangues e acabavam adoecendo. Por isso Lilith também está identificada com o tradicional vampiro. Seu destino era seduzir os homens, estrangular crianças e espalhar a morte.
Durante os primeiros séculos da era cristã, o mito de Lilith ficou bem estabelecido na comunidade judaica. Lilith aparece no Zohar, o livro do Esplendor, uma obra cabalística do século 13 que constitui o mais influente texto hassídico e no Talmude, o livro dos hebreus. No Zohar, Lilith era descrita como succubus, com emissões noturnas citadas como um sinal visível de sua presença. Os espíritos malignos que empesteavam a humanidade eram, acreditava-se, o produto de tais uniões.
No Zohar Hadasch (seção Utro, pág. 20), está escrito que Samael – o tentador – junto com sua mulher Lilith, tramou a sedução do primeiro casal humano. Não foi grande o trabalho que Lilith teve para corromper a virtude de Adão, por ela maculada com seu beijo; o belo arcanjo Samael fez o mesmo para desonrar Eva: E essa foi a causa da mortalidade humana.
O Talmude menciona que “Quando a serpente envolveu-se com Eva, atirou-lhe a mácula cuja infecção foi transmitida a todos os seus descendentes… (Shabbath, fol. 146, recto)”. Em outras partes, o demônio masculino leva o nome de Leviatã, e o feminino chama-se Heva.
Essa Heva, ou Eva, teria representado o papel da esposa de Adão no éden durante muito tempo, antes que o Senhor retirasse do flanco de Adão a verdadeira Eva (primitivamente chamada de Aixha, depois de Hecah ou Chavah). Das relações entre Adão e a Heva-serpente, teriam nascido legiões de larvas, de súcubos e de espíritos semiconscientes (elementares).
Os rabinos fazem de Leviatã uma espécie de ser andrógino infernal, cuja a encarnação macho (Samael) é a “serpente insinuante” e a encarnação fêmea (Lilith), é a “cobra tortuosa” . Segundo o Sepher Emmeck-Ameleh, esses dois seres serão aniquilados no fim dos tempos: “Nos tempos que virão o Altíssimo (bendito seja!) decapitará o ímpio Samael, pois está escrito (Is. XVII, 1):
‘Nesse tempo Jeová com sua espada terrível visitará Leviatã, a serpente insinuante que é Samael e Leviatã, a cobra tortuosa que é Lilith’ (fol. 130, col. 1, cap.XI).
Também segundo os rabinos, Lilith não é a única esposa de Samael; dão o nome de três outras: Aggarath, Nahemah e Mochlath. Mas das quatro demônias, só Lilith dividirá com o esposo a terrível punição, por tê-lo ajudado a seduzir Adão e Eva. Aggarath e Mochlath tem apenas um papel apagado, ao contrário do que acontece com as outras duas irmãs, Nahemah e Lilith. [1]
- E D-us criou a mulher…Tenho sido questionado por que teci críticas à participação
feminina na sinagoga. Resolvi responder de maneira longa e através de alguns textos
históricos. Sou historiador e posso analisar, a evolução do status da mulher no Judaísmo, e
tentar entender por que estas são excluídas dos serviços religiosos e colocadas num “andar
acima”, e numa “posição abaixo” da posição masculina. Será que a religião judaica proíbe as
mulheres de lerem a Torá? Será que é necessário isolá-las no andar superior? São inferiores?
Não podem fazer certas mitzvot (talit, tefilin, leitura da Torá)?
Iniciaremos nossa reflexão pelo inicio da Torá – A criação da mulher É bastante
estranho que os leitores da Bíblia não percebam que no Gênesis nós temos duas descrições
da criação da mulher: uma no capítulo 1 (vers. 27 e seguintes) e outra no capítulo 2 (vers. 21
e seguintes). Na primeira versão afirma-se: “E criou D-us o homem a sua imagem, à imagem
de D-us o criou: macho e fêmea os criou”. Nesta versão estão sendo criados lado a lado, o
homem e a mulher. Já mais adiante, o homem está só e a mulher é criada a partir de uma
costela retirada do homem. Criada ao mesmo tempo ou criado primeiro o homem e depois a
mulher? Confusão!! Engano!! Contradição??
Um pouco de reflexão pode explicar esse trecho.
Alguns dizem que a primeira mulher foi Lilith. Uma mulher criada em igualdade e que em
breve foi exorcizada. Alguns movimentos feministas a consideram a primeira feminista,
e símbolo de uma mulher não submissa. Outros a consideram uma aberração, e um elemento
demoníaco. A mística judaica tem inúmeras lendas sobre ela. Até o renomado escritor Isaac
Bashevis Singer, prêmio Nobel de Literatura, escreveu alguns contos e estórias aonde Lilith
passeia com seu charme sedutor e sua sensualidade diabólica. Mas voltemos à mulher
primordial.
A segunda mulher (Eva) já foi criada em seu devido lugar: depois do homem e submissa.
Ainda assim resolveu fazer o que não devia, e levou o homem a transcender sua condição
de animal e descobrir a diferença entre o bem e o mal: comeram do fruto do conhecimento
do bem e do mal.
Esclarecimento: no Judaísmo não existe pecado original e o fruto não era tão “proibido
assim”. Ao se alimentar com o fruto do conhecimento do bem e do mal o que ocorreu? Os
humanos passaram a ter consciência e sapiência e puderam distinguir o que é certo do que é
errado: será que D-us não queria que eles tomassem o fruto e o comessem? Se D-us é
onisciente (tudo sabe e prevê), onipresente (está em todos os lugares) e onipotente (tudo
pode), por que não impediu esta desobediência? Teria sido um pecado ou apenas um passo
adiante, um gesto de crescimento e evolução do gênero humano? No meu entender, a mulher
não cometeu nenhum pecado. Por isso não merece punição. Mas então quais as razões dela
ser inferiorizada?
O que se segue é uma sutil reescrita do texto pelos escribas. O texto bíblico, do Gênesis, tem
duas camadas, dois trechos que o compõe: um mais antigo e outro mais recente, com
diferença de cerca de meio milênio, entre os dois.
O capitulo 1 e os três primeiros versículos do capítulo 2, do livro do Gênesis são de autoria
de um escriba; os demais versículos do capítulo 2, e todo o capítulo 3 do livro do Gênesis
são de autoria de outro escriba, que viveu uns 400 ou 500 anos mais tarde. Essa interpretação
não é aceita pelos judeus ortodoxos que entendem que o texto tem uma unidade e seu autor é
D-us. Mas os historiadores, filólogos e inúmeros estudiosos e críticos da Bíblia, entendem
que a Torá tem alguns autores, mas na sua maioria tratam-se de duas versões, que usam o
nome de D-us de maneira distinta: o primeiro escriba chama D-us de Elohim e o segundo de
Adonai Elohim. Mas o que isso tem a ver com a visão da mulher?
A mulher na primeira versão está em igualdade com o homem pois se trata de uma
Concepção dentro de uma sociedade igualitária anterior ao Patriarcado. Na segunda
versão temos uma outra concepção do status feminino: a mulher perde espaço social e
começa a ser reclusa. Excluída do espaço publico e relegada ao espaço do lar. Lentamente a
mulher perde sua posição social.
O segundo texto espelha a mudança de posição da mulher na sociedade hebraica no final
do período do primeiro Templo (destruído em 586 A. E.C.) e no início do período do
segundo Templo (iniciado em 530 A.E.C.). Assim os escribas liderados por Esdras (Ezra), de
maneira tradicional deixaram textos contraditórios, reunidos num só livro e em seqüência. Os
escribas não exerceram censura e mantiveram os textos, sem se preocupar com a possível
contradição. Tente pensar um pouco. Pensar faz bem e diminui o nível do colesterol. Alguns
célebres pensadores, refletiram sobre este tema.
Vejam o caso de Espinoza, o genial filósofo judeu sefaradi que ousou criticar a visão
retrógrada de seus irmãos judeus. No seu livro “Tratado Teológico Político”, analisa as
construções políticas no Tanach (Bíblia hebraica) e mostra como se redigiu o texto para
ensinar o povo a se submeter aos reis divinamente escolhidos.
Usando de uma análise e uma metodologia, semelhantes, o texto bíblico, oferece inúmeros
exemplos de participação feminina, lado a lado com estes trechos do Gênesis, contraditórios
e opostos. Pelo que lemos, no período bíblico não se excluía a mulher da vida social e
espiritual (vejam as matriarcas, Rute, Débora e Judite). Um exemplo das mulheres, presentes
e ativas no santuário é a postura da mãe de Samuel, a sensível e tão espiritual Ana (Samuel
I, cap. 1 e 2). As mulheres ainda não haviam sido alijadas da participação plena na religião,
no estudo da Torá e na prática das mitzvot. Como isso ocorreu? Por que?
Sobre isso falaremos, nos próximos números. Por ora pense na razão de termos duas versões
da criação da mulher. [2]
Fontes
[1] Posted by Jorge MagalhãesMagal, Coisas Judaicas – http://www.coisasjudaicas.com/2007/04/lilith.html
[2] Visão Judaica, Por Sergio Feldman, professor adjunto de História Antiga do Curso de História da
Universidade Tuiuti do Paraná e doutorando em História pela UFPR.- http://www.visaojudaica.com.br/pdf/junho2002.pdf
Coordenador: Saul Stuart Gefter
A responsabilidade do conteúdo dessa publicação é do seu autor.
Muito interessante e instrutivo este estudo.nunca imaginei nada parecido como. A história foi distorcida
Adorei o texto, mas sinto, que algures no tempo, a história foi perdida ou alterada, porque a verdade é que grande parte das mulheres, não querem ser submissas, e não querem perder a sua liberdade e a sua expressão. Por isso questiono, será que somos mesmo descendentes de EVA? E se sim, porque temos esta necessidade de ser livres. Mesmo que percamos o amor do nosso companheiro. Deixo apenas este comentário para reflexão. (Não tenho religião, apenas sou curiosa ☺️)
Nós mulheres sempre estamos questionando e buscando formas de expressar nossa livre posição na sociedade patriarcal. Isso não é uma questão somente contemporânea, temos muitos exemplos na história de personagens femininas que buscaram isso. Possivelmente somos Lilith e Eva, somos a mesma mulher transitando em distintas posições entre o ser esposa e mãe (Eva) e o ser Feminino livre (Lilith). Se refletirmos um pouco, nós mulheres transitamos por Lilith e Eva todos os dias quando conciliamos trabalho e família, por exemplo.