- Introdução – O Talmude é um registro das discussões rabínicas que pertencem à lei, ética, costumes e história do judaísmo. É um texto central para o judaísmo rabínico, perdendo em importância apenas para a Bíblia hebraica. O Talmude tem dois componentes: a Mishná, o primeiro compêndio escrito da Lei Oral judaica; e o Guemará, uma discussão da Mishná e dos escritos tanaíticos que frequentemente abordam outros tópicos, e são expostos amplamente no Tanakh. O Mishná foi redigido pelos mestres chamados Tannaim, termo que deriva da palavra hebraica que significa “ensinar” ou “transmitir uma tradição”. Os tanaítas viveram entre o século I e o III E.C. A primeira codificação é atribuída a Rabi Akiva, e uma segunda, a Rabi Meir, ambas as versões tendo sido escritas no atual idioma aramaico, ainda em uso no interior da Síria. Os termos Talmud e Guemará são utilizados frequentemente de maneira intercambiável. A Guemará é a base de todos os códigos da lei rabínica, e é muito citada no resto da literatura rabínica; já o Talmude. [1]
O Talmude (em hebraico: תַּלְמוּד) é o Livro Sagrado dos judeus, um registro das discussões rabínicas que pertencem à lei, ética, costumes e história do judaísmo. É um texto central para o judaísmo rabínico. O Talmude tem dois componentes: a Mishná (c. 200 E.C.), o primeiro compêndio escrito da Lei Oral judaica; e o Guemará (c. 500 E.C.), uma discussão da Mishná e dos escritos tanaíticos que frequentemente abordam outros tópicos, e são expostos amplamente no Tanakh.
O Mishná foi redigido pelos mestres chamados Tannaim (“tanaítas”), termo que deriva da palavra hebraica que significa “ensinar” ou “transmitir uma tradição”. Os tanaítas viveram entre o século I e o III E.C. A primeira codificação é atribuída a Rabi Akiva (50 E.C.– 130), e uma segunda, a Rabi Meir (entre 130 e 160 E.C.), ambas as versões tendo sido escritas no atual idioma aramaico, ainda em uso no interior da Síria.
Os termos Talmud e Guemará são utilizados frequentemente de maneira intercambiável.
A Guemará é a base de todos os códigos da lei rabínica, e é muito citada no resto da literatura rabínica; já o Talmude também é chamado frequentemente de Shas (hebraico: ס”ש), uma abreviação em hebraico de shisha sedarim, as “seis ordens” da Mishná. [2]
- História
- Lei oral (Torá oral) – Primeira página da edição de Vilna do Tractate Berachot, Talmude babilônico, folio 2a. Originalmente, o estudo acadêmico do judaísmo era oral. Os rabinos expunham e debatiam a lei (isto é, a Bíblia hebraica) e discutiam o Tanakh sem o benefício das obras escritas (além dos próprios livros bíblicos), embora alguns possam ter feito anotações privadas (meguilot setarim), por exemplo, a respeito das decisões de cortes. A situação se mudou drasticamente, no entanto, principalmente como resultado da destruição da comunidade judaica no ano de 70 E.C., e os consequentes distúrbios nas normas legais e sociais judaicas. À medida que os rabinos foram forçados a encarar uma nova realidade — principalmente a dum judaísmo sem um Templo (para servir como centro de estudo e ensino) e uma Judéia sem autonomia — surgiu uma enxurrada de discursos legais, e o antigo sistema de estudiosidade oral não pôde ser mantida. Foi durante este período que o discurso rabínico passou a ser registrado na escrita. A primeira lei oral registrada pode ter sido na forma dos Midrash, na qual a discussão haláquica está estruturada como comentários exegéticos sobre o Pentateuco. Uma forma alternativa, porém, organizada pelos tópicos de assuntos, em vez dos versos bíblicos, tornou-se dominante por volta do ano 200 E.C., quando o rabino Judá HaNasi redigiu a Mishná (הנשמ).
A Lei Oral estava longe de ser monolítica ,variando enormemente entre diversas escolas. As duas mais famosas eram a Escola de Shammai e a Escola de Hillel. No geral, todas as opiniões, mesmo as não-normativas, eram registradas no Talmude.
(1) Mishná – A Mixná ou Míxena, também chamada de Mishná, é uma compilação de opiniões e debates legais. As declarações contidas na Mixná são tipicamente concisas, registrando as opiniões breves dos rabinos debatendo algum tópico, ou registram apenas um veredito anônimo, que aparentemente representava uma visão consensual. Os rabinos registrados na Mixná são chamados de Tannaim.
Na medida em que suas leis estão ordenadas pelo assunto dos tópicos, e não pelo conteúdo bíblico, e a Mishná discute cada assunto, individualmente, de maneira mais extensa que os Midrash, e inclui uma seleção muito maior de assuntos haláquicos. A organização da Mishná tornou-se, desta maneira, a estrutura do Talmude como um todo. Porém nem todos os tratados da Mishná possuem uma Guemará correspondente. Além disso, a ordem dos tratados do Talmude difere, em muitos casos, da do Mishná.
(2) Baraita – Além da Mishná, outros ensinamentos tanaíticos eram correntes na mesma época, e por algum tempo depois. A Guemará frequentemente se refere a estas declarações tanaíticas, para compará-los àqueles contidos na Mishná e para apoiar ou refutar as proposições dos Amoraim. Todas estas fontes tanaíticas não-mishnaicas são denominadas de baraitot (singular baraita, א תיירב- literalmente “material de fora”, se referindo às obras externas ao Mishná).
Os baraitot citados no Guemará são, frequentemente, citações da Toseftá (um compêndio tanaítico da Halaká, paralela à Mishná) e dos midrashim haláquicos especificamente Mekhilta, Sifra e Sifre. Alguns baraitot, no entanto, são conhecidos apenas por tradições citadas no Guemará, e não formam parte de qualquer outra coleção.
(3) Guemará -Nos três séculos que se seguiram à redação da Mishná, os rabinos de Israel e da Babilônia analisaram, debateram e discutiram aquela obra. Estas discussões foram a Guemará (ארמג). A palavra significa “completude”, em hebraico, do verbo gamar (רמג), “completar”, “aprender”. A Guemará se focaliza principalmente na elucidação e elaboração das opiniões dos Tannaim. Os rabinos do Guemará ficaram conhecidos como Amoraim (no singular Amora, אומא).
Boa parte da Guemará consiste de análises legais. O ponto de partida para a análise é, costumeiramente, uma declaração legal existente em determinada Mixná. A declaração é então analisada e comparada com outras declarações, numa troca dialética entre dois disputantes (frequentemente anônimos, por vezes metafóricos), que são chamados de makshan (“questionador”) e tartzan (“respondendor”). Outra função importante da Guemará é identificar a base bíblica correta para determinada lei apresentada na Mishná, assim como o processo lógico que a conecta com outra: esta atividade era conhecidade como talmud, muito antes da existência do Talmude como texto.
Estas trocas formam os componentes básicos da Guemará; o nome dado a cada passagem é sugya (איגוס; plural sugyot). Uma Sugya costumeiramente contém uma elaboração cuidadosamente estudada e detalhada de uma declaração mishnaica.
Em determinada sugya, declarações escriturais, tanaíticas e amoraicas, são trazidos para reforçar as diversas opiniões. Ao fazê-lo, a Guemará levanta discordâncias semânticas entre os Tannaim e os Amoraim (frequentemente direcionando o ponto de vista para uma autoridade mais antiga, no sentido de como ele teria respondido a questão), e comparando as visões mishnaicas com as passagens da Baraitá. Raramente os debates são encerrados formalmente; em muitos casos, a palavra final determina a lei prática, embora existam diversas exceções a este princípio.
(4) Halaca e Agadá – O Talmude contém um material vasto, que aborda assuntos de naturezas muito diversas.
Tradicionalmente, as declarações talmúdicas podem ser classificadas em duas categorias amplas, as declarações haláquicas e agádicas. As declarações haláquicas são aquelas que se relacionam diretamente com as questões da prática e lei judaica (Halaca), enquanto as declarações agádicas são aquelas que não tem qualquer conteúdo legal, sendo de natureza mais exegética, homilética, ética ou histórica.
(5) Bavli e Yerushalmi – O processo da Guemará continuou nos dois principais centros do academicismo judaico da época, na Terra de Israel e na cidade de Babilônia, grande centro da Mesopotâmia. De maneira correspondente, os dois corpos de análise se desenvolveram separadamente, e as duas obras do Talmude foram criadas. A compilação mais antiga é chamada de Talmude de Jerusalém (Talmud Yerushalmi). Foi compilado em Israel, durante o século IV E.C.. Já o Talmude Babilônico (Talmud Bavli), foi compilado ao redor do ano 500 E.C., embora tenha continuado a ser editado posteriormente. A palavra “Talmude”, quando utilizada sem qualquer qualificação, costuma se referir ao Talmude Babilônico. [3]
III. Halachá – (em hebraico הכלה, transliterada também como Halaca, Halacha, ou Halakha) é o nome do conjunto de leis da religião judaica, incluindo os 613 mandamentos que constam na Torá e os posteriores mandamentos rabínicos e talmúdicos relacionados aos costumes e tradições, servindo como guia do modo de viver judaico.
A. Mandamentos rabínicos – As sete Mitzvot deRabanan (translit. Sheva Mitzvot LeHaRabanim, em português, mandamentos rabínicos) são sete decretos de fonte rabínica, e não bíblica. De acordo com uma técnica mnemônica, as mitzvot formam o acrônimo bíblico ע”מש י”נב (Shemá Beni, em português, “Ouve, meu filho”) (Provérbios 1:8).
Letra | Mandamento | Hebraico | |
transliteração | |||
ש | Halel (louvor) | Shevach | |
מ | Ler a Meguilat Ester em Purim | Meguilá | |
ע | Eruv (propriedades unificadas) | Eruvin | |
ב | Bênçãos | Brachot | |
נ | Acender velas antes de cada Shabat e em Chanucá | Nerot
As duas mitzvot aparecem juntas para efeito de memorização. |
|
י | Netilat Yadaim (lavagem ritual das mãos) | Yadaim |
- Existe um livro completo da Lei Judaica? Nenhum livro incorpora todas as leis religiosas a que estão sujeitos os judeus. O máximo que se alcançou na compilação de um código legal único, é representado pelo Shulhan Aruch, obra do século XVI de autoria de (Rabi) José Caro, repositório das leis básicas que hoje em dia guiam a maioria dos judeus ortodoxos no mundo ocidental. Mas embora estes aceitem a maior parte do Shulhan Aruch, ainda assim não o consideram o corpo integral da lei judaica, soma de todos os códigos aceitos, comentários, emendas e responsas (respostas dos rabinos aos problemas suscitados pela experiência prática) contidos numa biblioteca inteira de escritos judaicos.
Outra obra de padrão é o Código de Maimônides, que registra, sistemática e logicamente, as opiniões contraditórias do Talmud.
Nem mesmo a Bíblia pode ser considerada norma imutável para a prática religiosa. As leis bíblicas relativas à poligamia, à cobrança de dízimos, à escravidão e a dezenas de outros assuntos, caducaram pela sua reinterpretação. Neste sentido, a lei rabínica e a Bíblia não são idênticas. [4]
- Rabi Yitzhak Al-Fassi e Maimônides – O legado do RIF
Considerado por muitos como “Pai do judaísmo sefardita”, “o RIF”, revolucionou a erudição judaica e escreveu um tratado que é um dos pilares que sustentam a Lei Judaica. Dos maiores Talmudistas de todos os tempos, ele é mais conhecido por sua obra prima, o Sefer HaHalachot (Código de Leis), que foi o primeiro códice fundamental sobre as Leis da Torá. Foi também precursor em tornar o Talmud acessível ao povo judeu. Antes de sua época, essa Enciclopédia de Lei e Sabedoria Judaica era conhecida por poucos, apenas os extremamente eruditos. A clareza que hoje temos na interpretação das passagens talmúdicas somente surgiu um século mais tarde, pelas mãos e mente do Rashi. Coube ao RIF a missão de analisar o Talmud por completo e transcrever, de forma abreviada, simples e ordenada, suas leis e injunções, tarefa nunca dantes sequer tentada.
Rabi Yitzhak Al-Fassi era filho de Jacob Cohen, tendo nascido no ano de 1013 E.C. (no calendário judaico , 4733 ), em Kalat ibn Hamad, uma aldeia próxima a Fez, no Marrocos. Seu sobrenome significa, em árabe, o natural de Fez. O RIF teve o privilégio de estudar o Talmud sob a tutela de duas conceituadas autoridades rabínicas – Rabenu Nissim e Rabenu Chananel, em Keruan, cidade no litoral leste da Tunísia, não distante de Fez.
Devido ao profundo conhecimento dos dois grandes mestres, esta cidade se tornou um dos principais centros de estudo do Talmud. Rabenu Chananel preparou o discípulo Al-Fassi na dedução interpretativa da Halachá – a Lei Judaica – diretamente das fontes talmúdicas, o que o levaria a conceber a compilação de um abrangente trabalho que apresentasse todas as conclusões práticas do Talmud de forma clara e definitiva. Grande parte dessa obra consiste de debates, muitos dos quais parecem não conclusivos para o estudioso mediano.
Por esta razão, Rabi Al-Fassi embrenhou-se, fundo, nas discussões, para poder trazer à tona a Halachá – a Lei, em cada uma das questões. Para lograr seu intento, o grande Sábio dedicou dez longos e intensos anos de sua vida.
No ano de 1045, devido a perseguições contra os judeus de Keruan, o RIF abandonou a cidade, acompanhado da mulher e dois filhos, estabelecendo-se em Fez. Lá se tornou o líder da comunidade judaica, que tomou a si o encargo de sustentar sua família, deixando-o, assim, livre de preocupações e inteiramente dedicado ao Sefer HaHalachot. Em sua qualidade de rabino, ele também era mestre e juiz da comunidade. Como juiz, gozava da inteira confiança dos litigantes, sendo suas sentenças estudadas em detalhe por outros rabinos, para servir de jurisprudência em casos similares. Como mestre, sua habilidade magnífica em transmitir conhecimentos atraía uma infinidade de discípulos, ávidos de sorver suas explicações sobre o Talmud. Acorriam de todas as partes do Marrocos para com ele estudar na Yeshivá, a academia de estudo da Torá que portava seu nome, fundada pelos judeus de Fez.
Mas o Rabi Al-Fassi não passaria o restante de sua vida nesta cidade. No ano de 1088, com 75 anos de idade, foi forçado a fugir de sua terra natal. Várias explicações surgiram para sua partida. Uma contava que, na qualidade de juiz, emitira um veredicto em favor de um humilde membro da comunidade, em uma ação movida contra um dos líderes comunitários que usara seus poderes como conselheiro real de forma inescrupulosa. Rejeitando a sentença proferida pelo RIF, a parte perdedora tentara prejudicá-lo. Outras explicações semelhantes envolviam-no com cidadãos de grandes posses que, por não concordar com certas atitudes, o teriam denunciado ao governo como traidor. A verdade é que não se sabe ao certo qual teria sido a acusação contra o respeitado Rabi Al-Fassi. Mas como ele viveu em uma época em que os mouros muçulmanos do Norte da África combatiam os reinos cristãos da Espanha, é bem provável que por trás de tudo houvesse alguma alegação de natureza política.
O fato é que o RIF deixou Fez e emigrou para a Espanha, onde foi recebido com grandes honras em Córdoba e Granada. Um ano mais tarde, ele se transferiu para a cidade espanhola de Lucena, onde sucedeu o Rabi Yitzhak ibn Ghayaat à frente da comunidade, e onde fundou uma Yeshivá que logo se tornaria famosa, atraindo grandes eruditos. Conhecida como a Academia de Lucena, transformou-se no Centro da Halachá da Europa Ocidental, famosa pela troca de correspondência com as comunidades de Jerusalém e Bagdá. Em torno do ano de 1122, após o falecimento de seus dois professores, foi o RIF alçado ao título de “maior autoridade viva em assuntos do Talmud”.
Rabi Al-Fassi permaneceu em Lucena pelo resto de sua vida, tornando-se seu principal rabino e juiz. Entre seus alunos contavam-se os poetas da Idade de Ouro Judeu-espanhola, Rabi Yehudá HaLevy e Rabi Moshe ibn Ezra, que compuseram belos poemas de louvor ao mestre.
Em sua Shirat Yisrael (Ode a Israel), o Rabi Moshe ibn Ezra enaltecia o RIF, descrevendo-o como homem jamais igualado na agudeza de seu espírito e intelecto, cuja sabedoria estava além de qualquer comparação; cuja pena era ligeira, talvez mesmo inigualável na intensidade de seus sentimentos religiosos. Outro de seus alunos destacados – o maior e entre os mais jovens, foi o Rabi Yosef ibn Migash, que chegou a Lucena com meros 12 anos e que, quatorze anos depois, sucederia o mestre como diretor da Yeshivá. Rabi Yosef ibn Migash é famoso por ter sido o mestre de Rabi Maimon, ninguém menos do que o pai de Maimônides, o Rambam.
Sua obra monumental é o Sefer HaHalachot (Código de Leis), também chamado pelo acrônimo do nome de seu autor: “o RIF”. Vimos que é uma compilação abreviada das leis do Talmud, em uma época em que o Templo não estava de pé e a maior parte do povo judeu vivia na Diáspora. Rabi Al-Fassi limitou-se a trabalhar sobre as porções do texto sagrado que ainda eram funcionais, excluindo aquelas de importância apenas para os estudiosos.
Assim sendo, seu código versava sobre as injunções do Talmud que tratavam do Shabat e Dias Santificados, das normas referentes às mulheres, às ações cíveis e penais, às bênçãos e à lei alimentar. O RIF também detalhou as leis que se encontravam dispersas em meio a diferentes normativas talmúdicas, tais como as leis tocantes aos pergaminhos da Torá, às mezuzot e aos tefilin.
Na obra, o RIF não se deteve nos comentários, circulares e intermináveis, tão ao gosto do Talmud, nem em seu material da Agadá – passagens homiléticas, como histórias, aforismos e ensinamentos morais – ditando, em seu lugar, decisões práticas, precisas e definidas, calcadas nos debates haláchicos sobre a questão. E, ao fazê-lo, o mestre omitia aquilo que os eruditos entendem ser o “espírito” da Torá Oral, em benefício de total clareza da lei religiosa judaica, a dizer, da Halachá. Para chegar a sentenças definitivas nessas questões, o RIF baseava-se na autoridade de seus dois grandes orientadores, Rabenu Nissim e, mais ainda, em Rabenu Chananel. Suas decisões também se apoiavam em seu próprio universo de conhecimento sobre o Talmud Babilônico e o de Jerusalém, bem como sobre a literatura talmúdica escrita pelos que o precederam.
Suas explanações eram, em geral, sucintas e, em várias instâncias, somente entendidas se comparadas com as próprias passagens talmúdicas. Alguns de seus comentários, no entanto, são extensos, como nas parte em que os Gueonim – os grandes sábios que o precederam – diferiam em suas interpretações. Eram as passagens em que o RIF analisava esses diferentes pareceres para emergir com o veredicto da questão.
Ao sumarizar os debates, Rabi Al-Fassi abriu caminho para os que queriam se aventurar pela profundeza do estudo do Talmud, permitindo, destarte, que um número bem maior de judeus estudassem esse alicerce da Lei judaica e de sua aplicação.
Seu Talmud Katan, ou seja, “Talmud em miniatura”, de compreensão bem mais simples, obteve grande popularidade, sendo estudado mais do que a obra completa, em muitas partes do mundo. E não tardou para surgirem estudiosos que o comentassem, exclusivamente. Tornou-se uma das fontes tradicionais de estudos em todo o mundo judaico. Décadas depois, Maimônides o chamou de “a flor de toda a literatura rabínica pós-talmúdica”.
A obra do RIF foi, de pronto, aceita por nosso povo como uma obra-prima de autoridade indiscutível, constituindo-se a base de códices futuros sobre a Halachá. Um de nossos Sábios fez a seguinte referência sobre o extraordinário trabalho: “… tamanha sabedoria somente poderia ser transcrita com a Inspiração Divina”. E a grande autoridade do Rabi e de seus pareceres fez com que o seu fosse o principal código usado pelas comunidades sefarditas – mesmo depois de ter sido ostensivamente superado pelo Códice de Maimônides, mais completo e melhor organizado. Através de toda a Idade Média, grande parte dos comentários talmúdicos de autoria dos eruditos sefaraditas foram compostos no formato de comentários interpretativos do código de Rabi Al-Fassi.
A publicação de seus trabalhos teve um papel essencial na preservação do judaísmo italiano. Pois que ao final da Idade Média, ainda que o Talmud tivesse sido banido na Itália, era permitido estudar o código de Rabi Al-Fassi. E, assim, entre os séculos 16 a 19, sua obra foi objeto fundamental de estudo na comunidade judaico-italiana.
O RIF deixou marca profunda e indelével no judaísmo, pois tendo seu códice servido de base para os dois mais importantes de nossa Lei: o Mishnê Torá de Maimônides e o Shulchan Aruch de Rabi Joseph Caro. Maimônides, cujo pai, como dissemos acima, estudou com o principal discípulo do RIF, chamava Rabi Al-Fassi de “meu Mestre”, e declarava que o Sefer HaHalachot chegava às raias da perfeição. Mesmo aqueles que criticavam a obra admitiam sua enorme utilidade e queriam ver ampliado o seu uso. Rabi Joseph Caro o considerava o primeiro dos três pilares sobre os quais se apoiava a Casa de Israel. Baseou sua obra magna, o definitivo código da Halachá, o Shulchan Aruch, sobretudo nos pareceres jurídicos e nas sentenças do RIF. Os outros dois pilares da Lei Judaica eram, para Rabi Caro, os ditames de Rabi Asher ben Yechiel (o Rosh) e de Maimônides.
E este último também foi extremamente influenciado por Rabi Al-Fassi. Outro destacado comentarista talmúdico, Rabi Nissim de Gerona (1320-1380), o Ran, tido como a maior autoridade haláchica de sua geração, também baseou sua obra na de Rabi Al-Fassi, sobre quem compilou um abrangente e explícito comentário.
Praticamente todas as edições subseqüentes do Talmud vieram acompanhadas de uma edição do código do RIF e, até nossos dias, o “RIF e o Ran” são parte do estudo diário do currículo das Yeshivot de todo o mundo.
Rabi Al-Fassi também teve significativo papel na história do povo judeu, por ser o sucessor dos Gueonim – eruditos talmúdicos que dirigiram as famosas Yeshivot de Sura e Pumbedita, na Babilônia, atual Iraque. O período em que tais sábios viveram – a Idade da Erudição – durou de 500 a1038 E.C. O último dos Gueonim foi Rav Hai Gaon e, quando este faleceu, o RIF tinha 25 anos de idade. A missão de promover uma erudição judaica de nível superior – foi lançada sobre o RIF, ficando patente de maneira brilhante em seu trabalho. Ele próprio era chamado de Gaon, gênio, por outros Sábios.
Através de seus discípulos, em especial de Rabi Migash, o RIF conseguiu transmitir as tradições dos Gueonim sobre a Torá e das Yeshivot babilônicas a Maimônides e aos demais de sua geração. Ele foi o único a guiar nosso povo durante um crítico período de transição; e, por seu intermédio, o universo de saber e conhecimento das Academias babilônias se disseminou pelo restante do mundo judeu.
E para dar substância a seus próprios pareceres, ele não apenas estabelecia a lei, mas também citava as passagens relevantes do Talmud que direta ou indiretamente tratavam do assunto em pauta. Segundo Maimônides, ” As Halachot do grande rabi, nosso mestre Yitzhak, de abençoada memória, sobrepuseram-se a todos os códices gaônicos… pelo fato de conterem todas os sentenciamentos e as leis de que necessitamos em nosso cotidiano…”. Em seu Mishnê Torá, Maimônides também enalteceu o Rabi Al-Fassi, aconselhando seus alunos a se aprofundar e se deter em seu trabalho, com dedicação. Em uma missiva ao discípulo Joseph ben Judah, Maimônides aconselha-o a concentrar seu estudo nas Halachot do RIF. Era o que ele próprio, o Rambam, ensinava a seus alunos. O RIF foi aceito e festejado de tal forma que mesmo o Raavad, Rabi Abraham ben David de Posquières, na Provença, que tanto criticava os outros autores, especialmente Maimônides, assim escreveu: “Eu confiaria nas palavras de Al-Fassi ainda que ele dissesse que direita é esquerda”.
Rabi Isaac ben Shmuel haZaken, sábio do século 11, manifestou-se sobre o RIF da seguinte forma: “Um homem não trabalha em vão para produzir uma obra deste gabarito, a menos que o Espírito de D’us paire sobre ele”. À luz de uma tal declaração, concluímos com uma história que demonstra que o RIF possuía não apenas mente extraordinária, mas também Ruach HaKodesh – o Espírito Divino.
Conta-se que quando vários líderes da comunidade de Lucena expressaram suas reservas quando de sua nomeação em virtude de sua idade avançada, o próprio Rabi Al-Fassi lhes assegurou que celebraria seu “Bar Mitzvá” na cidade. E cumpriu com sua palavra.
Faleceu em Lucena no ano de 1103 do calendário gregoriano, após ter dirigido a comunidade por pouco mais de 13 anos. Rabi Yitzhak Al-Fassi, zecher tzadik l’vrachá, tinha 90 anos quando deixou este mundo, no 10º dia de Iyar, do ano de 4733 do calendário judaico.
Ergueu-se um monumento em sua homenagem, no qual figura a seguinte inscrição: “Foi por ti que tremeram as montanhas naquele dia, no Sinai; os anjos de D’us de ti se aproximaram, gravando a Torá nas tábuas do teu coração. E, sobre a tua fronte, depuseram suas mais lindas coroas”. [5]
Fontes:
[1] dbpedia: http://dbpedia.org/page/Talmud
[2] Wikipedia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Talmude
[3] Wikipedia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Talmude
[4] Por Morris Kertzer, Coleção Judaismo: http://colecao.judaismo.tryte.com.br/livro1/l1cap19.php
[5] Revista Morashá, Ed. 55, dez. 2006: http://www.morasha.com.br/conteudo/artigos/artigos_view.asp?a=643&p=2
Coordenador: Saul S. Gefter
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