Na parashat Vayakhel, somos confrontados com um dos aspectos mais fascinantes e enigmáticos da construção do Mishkan (Tabernáculo), o Éfode e o Peitoral do Sumo Sacerdote, que tinham pedras preciosas incrustadas. As pedras foram um dos itens finais a serem listados entre as doações para a construção do Mishkan. Esse detalhe levanta uma série de questões espirituais e práticas. Por que as pedras preciosas, que são mais valiosas que o ouro, são mencionadas por último, depois de outros itens? Além disso, o Midrash sugere que o milagre da obtenção dessas pedras é uma mensagem importante para nós, ainda mais à luz dos desafios enfrentados pelos líderes das tribos, os Nesi’im, que, segundo o Talmud, inicialmente se recusaram a oferecer as pedras. Vamos explorar esses conceitos em mais profundidade.
As Pedras Preciosas e Sua Ordem de Mencionamento
Ao examinarmos as doações para a construção do Mishkan, notamos que as pedras preciosas são listadas por último, depois do ouro, prata, bronze e outros materiais. Essa escolha de ordem parece curiosa. Afinal, as pedras preciosas são mais raras e valiosas do que o ouro, que ocupa uma posição anterior na lista. Por que então são mencionadas por último?
Na Torá, existe uma ordem de precedência nas palavras, onde o fato de uma palavra preceder outra implica que a primeira tem maior peso e valor. Esta ordem não é apenas uma questão de sequência, mas de importância espiritual. Quando algo é mencionado por último, muitas vezes há uma mensagem implícita sobre seu valor oculto, ou a necessidade de se aprofundar para entendê-lo plenamente. O fato de as pedras preciosas aparecerem por último na lista das doações para o Mishkan é uma maneira de nos dizer que a verdadeira espiritualidade e perfeição, representadas pelas pedras, só podem ser alcançadas após se estabelecerem as fundações materiais, como o ouro e a prata.
Esse princípio também se reflete nas letras faltando ou modificadas na Torá. Sempre que uma letra desaparece ou é alterada, há uma mensagem escondida que nos desafia a buscar seu verdadeiro significado. Um exemplo clássico disso é a palavra “Tzadik” (Justo) ao se referir a Noach (Noé). Na Torá, a palavra é escrita sem o Yud, o que indica uma mensagem subjacente sobre o caráter de Noach. O Yud é a letra que simboliza o “pequeno”, o humilde, e sua ausência sugere que Noach, apesar de ser justo, não foi completamente perfeito, pois havia aspectos de sua vida que poderiam ter sido mais profundamente conectados à espiritualidade.
Da mesma forma, as pedras preciosas são mencionadas por último como uma maneira de dar maior peso ao seu valor espiritual, que se torna evidente apenas após todas as outras contribuições materiais terem sido feitas. Elas não são apenas objetos de valor, mas símbolos de perfeição espiritual, e sua doação representa um ato de total humildade e pureza diante de D’us.
Rashi e o Yud dos Nesi’im
Rashi, comentando o versículo (Êxodo 35:27), observa que os Nesi’im, os príncipes das tribos, foram os últimos a contribuir com as pedras preciosas para o Mishkan. No entanto, ele destaca um detalhe interessante: eles faltaram com um “Yud”. No contexto da doação para o Mishkan, este “Yud” é um símbolo do que faltava na sua doação. Rashi sugere que os Nesi’im se recusaram a entregar as pedras preciosas no início, pois estavam preocupados com o fato de que suas tribos poderiam parecer pequenas ou insignificantes se as pedras preciosas de outras tribos fossem mais imponentes. Essa hesitação é uma expressão de vaidade e orgulho, um desejo de não parecer inferior em relação aos outros.
O Recuso Inicial dos Nesi’im e Seus Motivos
Os Nesi’im, por um tempo, se recusaram a trazer as pedras preciosas, uma vez que se sentiam que o ato de dar algo tão grandioso deveria ser feito por todos de maneira igual. Esta recusa inicial é vista como uma forma de orgulho e competição entre as tribos. O Talmud (Zevachim 101a) e o Midrash Rabbah relatam que, na verdade, os Nesi’im se sentiram desconfortáveis com a ideia de se destacar individualmente ao oferecer algo tão valioso. Esse comportamento revela uma desconexão inicial entre a necessidade de humildade e o desejo de grandeza pessoal.
No entanto, o Midrash explica que D’us interveio para corrigir essa situação, tornando a oferta das pedras preciosas um milagre. Ele fez com que as pedras fossem trazidas de forma sobrenatural, talvez pela intervenção direta de D’us, ou até mesmo de maneira miraculosa, como se caíssem junto com o maná no deserto. Assim, a contribuição dos Nesi’im foi feita de forma divina, e não pela sua própria vontade, permitindo que a unidade das tribos fosse restaurada.
Comentários Talmúdicos, Cabalísticos e Outras Fontes
Comentários Talmúdicos ressaltam o papel das pedras preciosas como símbolos do sacrifício e da pureza espiritual. O Talmud Bavli (Berachot 57b) explica que as pedras não eram apenas adornos materiais, mas tinham o poder de representar as tribos de Israel e suas respectivas virtudes. Cada pedra no peitoral do Sumo Sacerdote estava associada a uma tribo, e suas propriedades eram vistas como canais de bênçãos espirituais para o povo de Israel.
De uma perspectiva kabbalística, as pedras preciosas são vistas como símbolos de luz espiritual e de sabedoria divina. O Zohar enfatiza que as pedras são, de fato, canalizações da luz infinita de Hashem, que precisam ser cuidadosamente alinhadas para trazer a revelação da presença divina. O fato de as pedras terem sido trazidas por meio de um milagre está diretamente ligado à necessidade de proteção da santidade desse processo. As pedras preciosas não poderiam ser tratadas com descaso; elas precisavam ser inspiradas e abençoadas pela própria mão divina.
Conclusão
O episódio das pedras preciosas no Mishkan não é apenas uma história de doações e materiais valiosos, mas uma lição profunda sobre humildade, unidade e a importância da conexão espiritual. As pedras preciosas representam o pico da espiritualidade, o ideal que todas as ações humanas devem buscar, mas, para que essa espiritualidade se concretize, é necessário superar as armadilhas do ego e do orgulho. A história das pedras preciosas e da hesitação dos Nesi’im nos ensina que mesmo as contribuições mais valiosas precisam ser feitas com pureza de coração e sem vaidade.
A recusa inicial dos Nesi’im e o milagre subsequente nos lembram que, ao enfrentar obstáculos internos, podemos sempre contar com a ajuda divina para alcançar o objetivo espiritual e comunitário. As pedras preciosas são uma metáfora do potencial espiritual que, embora valioso, só pode ser alcançado quando superamos as limitações da ego e do orgulho.
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