- Os Mitnagdim ou Misnagdim (em hebraico: מתנגדים, “oponentes”) é um tipo ortodoxo de judaísmo, que baseia suas leis geralmente nas decisões encontradas no Talmude e rejeita o misticismo do hassidismo. No século XVIII, opuseram-se ao surgimento do judaísmo hassídico – movimento de reação contra o judaísmo “acadêmico” da época, surgido na Europa Oriental (Bielorrússia e Ucrânia), sob a liderança do rabino Israel ben Eliezer (1700–1760), conhecido como Baal Shem Tov. “Os hassidim [são] inclinados à mística baseada na exaltação das emoções religiosas, enquanto os mitnagdim, majoritariamente formados nas escolas talmúdicas da Lituânia, praticam um judaísmo mais austero, mais intelectualizado, fundado no princípio da casuística dialética (pilpul). Os mitnagdim criticam a orientação hassídica de defender a supremacia da Cabala (mística judaica) sobre a Halakha e reprovam sobretudo uma alegria de viver que consideram incompatível com o estudo da Torá.” Atualmente, os grupos religiosos que adotam as práticas dos primeiros mitnagdim continuam a ser referidos sob essa denominação, embora a oposição aos hassidim tenha se tornado muito tênue. Os mitnagdim são também referidos como “corrente lituana”, pois os yeshivot (academias religiosas) dessa corrente foram particularmente influentes na Lituânia, ao longo do século XIX e no início do século XX. [1]
- Rabi Menachem Mendel, O Tsêmach Tsêdec (O Terceiro Rebe na linhagem de líderes do Movimento Chabad) – … Durante os doze anos de 1827 a 1839, … , Rabi Menachem Mendel desempenhou sua obra sem qualquer interferência dos oponentes do Chassidismo, seja os grupos religiosos (“Mitnagdim”), ou os assim chamados grupos “esclarecidos” na Rússia (“Maskilim”). Também durante este período, não houve conflito entre os chassidim e os mitnagdim. Nas freqüentes visitas de Rabi Menachem Mendel às comunidades chassídicas em Minsk (Bielorussia) e Vilna (Lituania), os mitnagdim sempre lhe concediam grandes honrarias e compareciam aos seus discursos chassídicos e talmúdicos.
A Conferência de Petersburgo – Em 1843, o governo russo anunciou que seria promovida uma conferência em Petersburgo para decidir importantes problemas religiosos. Era intenção do governo, sob instigação dos maskilim, utilizar a conferência como um meio de introduzir no sistema escolar algumas inovações que iriam interferir com os procedimentos tradicionais na educação e prece judaicas. Uma Comissão Rabínica, composta por líderes dos chassidim e mitnagdim, reuniu-se para planejar como melhor combater a ameaça representada pela conferência. Rabi Menachem Mendel foi designado para a comissão. …A conferência terminou sem a adoção de qualquer uma das mudanças propostas pelos maskilim. …[2]
III. Os Haredi – O termo Haredi vem do hebraico e quer dizer “temente” ou “temeroso”. Este se refere ao judeu praticante do judaísmo ultraortodoxo. O termo Haredi pode ser considerado pejorativo dependendo do contexto em que esteja e por quem seja utilizado. O judaísmo ultraortodoxo haredi é resistente à mudança e abrandamento das leis judaicas, e mantém o embelezamento das leis (hidur mitzvá) com sua diferenciação de outros povos como vestimentas e costumes fortes. Em algumas de suas correntes pode-se encontrar a argumentação contra a existência do Estado de Israel e contra o sionismo porque para estes grupos um Estado Judeu só pode existir com o advento da vinda do messias e seguir as leis do Judaísmo. Porém somente uma pequena porcentagem hoje em dia realmente age de forma anti sionista, estes são normalmente pertencentes aos grupos de Neturei Karta. Litaiim ou Mitnagdim – O judaísmo haredi não tem uma única corrente, sendo muito diversificado quanto à liderança, costumes, hábitos, vestimentas, pronúncia do hebraico e do iídiche, padrões de relacionamento interno e com outras correntes do judaísmo. Os grandes grupos nos quais podem ser divididos são:
(1) Litaiim ou Mitnagdim – Este é o grupo maior e o mais homogêneo entre os haredim. O termo litaí significa literalmente “nascido na Lituânia” e é usado pelos próprios como autodefinição, enquanto que o termo mitnagdim significa “aqueles que vão contra” e normalmente é usado pelos hassidim para definir os litaiim como aqueles que foram contra o hassidismo. Porém eles se referem em geral a todo haredi ashkenazi que adere a forma de estudo, hierarquia rabínica e organização comunitária anterior a criação do hassidismo na Europa. Esta linha teve a Lituânia como seu grande foco inicial, mas existia em toda a Europa. As Yeshivot desta corrente são caracterizadas pelo estudo metódico do Talmud durante quase todo o dia, o Talmud trata de todos os temas judaicos inclusive da ética judaica. Aqueles que estão no curso de formação rabínica estudam Halachá (a lei judaica) e suas fontes desde o Talmud. Os grandes rabinos desta linha chegam a “altos postos” da hierarquia por se destacarem no estudo desde a juventude. O povo escolhe os rabinos, diferentemente de outras religiões. Somente em idade avançada passam a ocupar um lugar de importância na sociedade, uma vez que o domínio da lei judaica leva pelo menos 40 anos. Até lá estudam e aprendem com os grandes rabinos. Não necessariamente têm laços familiares com líderes anteriores, embora quase sempre tenham sido alunos desses líderes. Hoje em dia pode-se reconhecê-los por sua vestimenta. Eles normalmente usam terno escuro com blusa branca, kipá preta e, sobre ela, chapéu de aba reta. Diferentemente dos hassidim, que usam capota, chapéus diferentes, alguns de pele, etc…
(2) Hassidim – O hassidismo surgiu na Europa, no século XVIII, e sua filosofia foi formulada pelo rabino místico Israel ben Eliezer, mais conhecido como o Baal Shem Tov (o Mestre do Bom Nome). Baal Shem Tov atuou principalmente junto a camponeses judeus, no vilarejo de Medzhybizh, na Comunidade Polaco-Lituana (atualmente, Ucrânia), após anos de retiro e estudo, tendo formado um grande grupo de discípulos por toda a Europa. Este é talvez o maior grupo dentre os haredim ashkenazi. Trata-se, porém, de uma corrente muito heterogênea, dividida em diversos subgrupos, cada uma delas com seu rabino chefe (rebbe), ao qual todos os membros seguem com devoção, sem discordar ou questionar e, por isso, acabam sendo muito mais conservadores, mesmo de tradições que não têm base no Talmud. Sua vestimenta normalmente chama atenção e através de pequenos detalhes identifica-se a hassidut (subgrupo) ao qual o indivíduo pertence. Alguns deles usam chapéu de pele (shtreimel), cujo tamanho ou largura identifica os diferentes subgrupos. Da mesma forma, o capote que vestem e suas cores, as meias e a forma de usá-las também podem ser elementos de identificação do subgrupo. A exceção as demais hassiduiot é a hassidut de Chabad, cujos integrantes vestem-se de forma semelhante à dos litaiim, normalmente sem gravata. O estudo em suas yeshivot dá grande ênfase a livros escritos por rebbes de suas correntes, e o estudo do Talmud é mais superficial que o dos litaiim, porém aqueles que se destacam no estudo do Talmud acabam estudando tão profundamente quanto os outros grupos. Neste grupo é muito grande a influência da cabala no estudo e, consequentemente, também quando se fixa a halachá (lei judaica). Seus líderes são nomeados quase sempre hereditariamente (um filho ou um genro toma o lugar do rebbe falecido).
Haredim sefaradim – Dentre os sefaradim, não existia o conceito de haredi até seu contato mais direto com os ashkenazim, após as primeiras aliá e a formação do Estado de Israel. Por isso, normalmente sua abertura é maior que a maior parte dos haredim ashkenazim. Eles se subdividem em basicamente três subgrupos: Os que estudaram junto com os ashkenazim (Edá Hacharedit sefaradit), que são os mais ortodoxos. Os que sofreram influências das yeshivot ashkenaziot, mas seguiram em yeshivot sefaradiot. São menos radicais e mais numerosos que o primeiro grupo. Os que estudaram e foram totalmente formados pelas yeshivot tradicionais sefaradiot, como a Porat Yossef ou os seguidores do Rabino Ovadia Yossef. Este grupo é o mais numeroso. Não se autodefine sionista mas normalmente não é contra o movimento sionista.
Haeda Hacharedit e Neturei Karta – Estes grupos, juntamente com a hassidut de Satmer, são os mais radicalmente contra o sionismo. Não aceitam nada vinculado ao Estado de Israel , nem recebem verbas do estado, financiando sua educação por conta própria. São minoria entre os Haredim.
Haredi Moderno – É um pequeno grupo entre os haredim, mas tem crescido muito, principalmente nos Estados Unidos. Seus integrantes não se vêem vinculados ao sionismo, mas não discursam contra ele e eventualmente até simpatizam com o movimento. Normalmente estudam em yeshivot, mas por um tempo determinado (alguns anos) e depois entram no mercado de trabalho comum. Mantêm um modo de vida religioso, porém não se abstêm de luxos e hobbies que a maior parte dos haredim não admite. Em Israel, este grupo não tem uma presença forte na comunidade haredi. Em sua maior parte são imigrantes da América do Norte e preferem estar em contato com representantes do sionismo religioso apesar de não se declararem sionistas. [3]
- O Maguid de Mezeritch – O Rabi Dov Ber de Mezeritch nasceu há cerca de 300 anos. Quando partiu de sua morada terrena, quase 70 anos mais tarde, deixou atrás de si um mundo completamente mudado. O Grande Maguid, como passou a ser chamado, deixou sua marca em todo um povo e nas gerações que se seguiram. Ninguém conseguia ficar indiferente a ele. E depois dele, o judaísmo e o povo judeu jamais voltaram a ser como dantes.
Dov Ber, filho de Abraham e Chavah, nasceu numa pequena aldeia russa, Lukatz, na Volhínia, atualmente Ucrânia. Pouco se sabe sobre seu passado ou seus antepassados. Sabe-se, no entanto, que desde jovem era um extraordinário estudioso da Torá. Abençoado com uma mente brilhante, dominava profundamente o Talmud e os trabalhos sobre as Leis judaicas. Mesmo à época em que viveu, em que florescia o estudo da Torá, ele já se destacava por sua notável erudição. Numa fase posterior de sua vida, o Rabi Dov Ber ficou sendo conhecido como o Grande Maguid de Mezeritch.
A palavra “Maguid” significa pregador. E Mezeritch foi o lugar onde ele fincou suas raízes – e não onde nasceu. Mas qual a razão para o chamarem de “o Grande Maguid”? Talvez tenha sido porque, apesar de seu extraordinário conhecimento da Torá, ele não tenha optado por uma vida de conforto e regalias e aceitado um dos inúmeros convites para ser o líder religioso de uma comunidade importante. Em vez disso, escolheu vagar de um lugar a outro, distribuindo palavras de conforto e bênçãos a judeus carentes. Era um grande orador e nunca censurava ou condenava os atos de ninguém. Com suas palavras e seu exemplo, servia de inspiração àqueles de quem se aproximava.
Sabe-se que se casou ainda jovem e se sustentava com o magro salário que recebia pelas aulas que dava às crianças. Ao confortar os pobres, conhecia na própria carne o que representava a extrema pobreza. Mas, em vez de considerá-la uma praga, fazia da pobreza uma virtude. Isto combinava com sua vida. Tinha por propósito dificultar as condições em que vivia, nunca procurando atenuá-las. Jejuava com freqüência e praticamente não dormia. Acreditava que castigando seu corpo, fortalecia o espírito. Mas sua busca pela extrema espiritualidade custou-lhe um preço elevado. Por negligenciar seu corpo, adquiriu doenças que o perseguiram por toda a vida, mas que também o levaram ao encontro que iria mudá-la – e a história judaica – de uma maneira extremamente significativa.
O Mestre do Maguid – O Rabi Israel Ben Eliezer, o Baal Shem Tov (“O Senhor de Bom Nome”), era um visionário que revolucionou o pensamento e a história judaica. Ainda jovem, juntou-se aos Nistarim – um grupo de místicos itinerantes e sigilosos que se dedicavam a estudar e disseminar os princípios do misticismo judaico. Foram os precursores do movimento do Chassidismo e não tardou muito para que o Rabi Israel se tornasse o seu líder.
O Baal Shem Tov era mestre na Cabalá. Fazedor de milagres e maravilhas, era um rebelde religioso e um revolucionário em defesa de seus semelhantes. A história de sua vida parece poesia – romântica, extraordinária, repleta de dramaticidade e de relatos inspiradores. Dizem que quem acredita em todas as histórias que contam sobre ele é tolo. Mas aquele que não crê que qualquer uma delas bem poderia ser verdade é um descrente – pois nada é impossível para os poderes de um Tzadik – um verdadeiro justo do calibre dele. Mesmo iluminando e inspirando um número incalculável de judeus, o Baal Shem Tov também despertava uma acirrada oposição, especialmente entre os principais estudiosos da Torá da época. Era condenado por difundir o misticismo judaico. Desde que a Torá fora entregue a Moisés, a Cabalá tinha sido transmitida apenas a um seleto grupo, entre os quais se contavam uns poucos. Seus preceitos eram por demais preciosos e a revelação dos mesmos, por demais perigosa.
Muitos dos eruditos judeus ficavam consternados com os ensinamentos do Baal Shem Tov. Ele amava igualmente todos – santos e pecadores, eruditos e analfabetos. Conta-se que ele disse, certa vez, que “os pequenos Tzadikim amam os pequenos pecadores, mas um grande Tzadik ama um grande pecador”. Era um verdadeiro homem do povo, adorava os simples e os humildes, dizendo-lhes que D’us os amava independentemente de seu conhecimento sobre a Torá. Dizia-lhes que tinham como única obrigação servir ao Criador com tudo o que estivesse a seu alcance. Ensinava que devemos amar e cuidar do próximo, seguir a Torá com alegria e servir a D’us com grande louvor.
O Rabi Dov Ber de Mezeritch, austero e culto, estava entre os muitos que, a princípio, opuseram-se ao recém-formado movimento chassídico. Mas, como já vimos mais acima, o seu devotado enlevo espiritual fez com que desenvolvesse sérios problemas físicos. Os médicos não conseguiam livrá-lo do sofrimento, até que alguém o convenceu de buscar ajuda com um homem de Medzebozh, que tinha fama de ser um curandeiro milagroso. E quem era o homem?
Ninguém menos do que o Rabi Israel ben Eliezer, o Baal Shem Tov. O Maguid foi a Medzebozh para ver o Baal Shem Tov, mas seu primeiro encontro foi desalentador. O grande Mestre chassídico meramente lhe contou uma história sobre cavalos e cocheiros. De fato, o Baal Shem Tov é muito conhecido por suas histórias – aparentemente simples, mas que revelam os mistérios mais profundos para aqueles que têm a capacidade de desvendá-los. Mas o Maguid – fisicamente abatido pela doença – aparentemente não pode apreciar a história. Não viera de tão longe para ouvir falar de cavalos. Portanto, preparou-se para voltar para casa. Mas quando estava prestes a sair, chega um mensageiro do Baal Shem Tov e o Rabi Dov Ber decidiu dar uma segunda chance ao Mestre.
Já era meia-noite quando se encontraram. O Baal Shem Tov fez-lhe a pergunta: “Você é bem versado no estudo da Torá?”, à qual o Maguid não pôde negar. “Pois sim, de fato ouvi dizer que você é um grande estudioso da Torá”, retrucou o Mestre. E passou a consultar o Maguid acerca de uma passagem muito difícil da Cabalá que fazia menção a vários anjos. O Maguid prontamente deu a explicação, mas o Mestre não se deu por satisfeito: “Você não sabe tudo!” O Maguid, então, desafia o Baal Shem Tov a dar a sua versão.
E o Mestre, começa, então, a revelar seus poderes. Enquanto falava, a casa se encheu de luz, com uma aura de fogo em seu redor, enquanto os dois homens viam os anjos aos quais se referia a passagem. Posteriormente, o Mestre disse ao seu mais recente discípulo: “O significado da passagem era, realmente, o que você apresentou. Mas não havia espírito algum no que você tinha aprendido”. Imediatamente, o Maguid dirigiu-se a seu cocheiro, despachando-o de volta para casa. Mas ele lá permaneceu para aprender os ensinamentos do Baal Shem Tov – o homem, talvez o único, que poderia guiá-lo a conquistas espirituais ainda mais elevadas.
O Maguid passou a estudar com o Baal Shem Tov. Mais tarde diria que o Mestre lhe ensinara tudo – as palavras mais profundas da Cabalá e também “a língua dos pássaros e das árvores”. Tornou-se seu maior discípulo. O Mestre chegou mesmo a ponto de chamá-lo de “colega” e a ele se referir como “o Príncipe da Torá”. Portanto, quando chegou a hora da partida física do Rabi Israel Baal Shem Tov deste mundo, não houve dúvidas quanto a quem assumiria a liderança do recém-criado movimento do Chassidismo.
A liderança do Maguid – Era o primeiro dia de Shavuot. O Baal Shem Tov falecera exatamente naquele dia, um ano antes. Seus alunos estavam ao redor de uma mesa presidida por Rebe Hersh, filho do Mestre, que se tornara o líder dos Chassidim após a morte do pai. Subitamente, Rabi Hersh pôs-se de pé e tirou as vestes brancas, as mesmas que tinham pertencido a seu pai e que simbolizavam a liderança. Colocando o robe de seda branca sobre os ombros do Rabi Dov Ber, põe-se a lhe desejar mazal tov, mazal tov. Explicou, então, que o espírito de seu pai acabara de lhe aparecer, ordenando-lhe que transferisse a liderança do movimento ao Maguid.
Em seu testamento, o Baal Shem Tov pedira que seu sucessor se estabelecesse em outro lugar, não em Medzebozh. Por isso, o Maguid retornou à Mezeritch, cidade que passou a ser o novo centro de estudos para alguns dos mais talentosos eruditos e místicos judeus. O Maguid teve trezentos discípulos. Trinta e nove destes se tornariam líderes e fundadores de dinastias chassídicas.
Entre seus alunos contavam-se alguns dos mais distintos nomes do povo judeu: Shneur Zalman de Liadi, Elimelech de Lizensk, Israel de Kozhenitz, Zusia de Hanipoli, Levi Yitzhak de Berditchev e até alguns dos companheiros do Baal Shem Tov. O Maguid ensinou e revelou a Torá a alguns deles; a outros revelou seus segredos mais profundos. O Rabi Shneur Zalman de Liadi contou, certa vez, que apesar de em Mezeritch os milagres serem abundantes, ele e os outros discípulos estavam muito ocupados e absortos em seu estudo para fazer caso de milagres. Fascinava-lhes muito mais a erudição do Maguid do que seus poderes sobrenaturais.
Conta-se uma história acerca da forma de ensinar do Maguid. Certa vez, durante a primeira refeição do Shabat, o Maguid pediu que cada um dos discípulos recitasse um versículo do trecho da Torá a ser lido no dia seguinte. Ouviu, então, todas as perguntas que lhe foram feitas e as reuniu em forma de uma bela preleção. E enquanto falava, cada um dos discípulos tinha a certeza de que o Maguid se dirigia exclusivamente a ele. Mas, apesar de toda a sua grandeza, o Maguid continuou agindo como um simples ser humano.
Era míope e mancava. Durante toda a vida perseguiram-no as doenças e as dores. Ensinava que o jejum e o auto-flagelo não eram a maneira adequada de se servir a D’us. No entanto, ele próprio continuava comendo e dormindo cada vez menos. Já no final de sua vida precisou usar muletas. Ao que tudo indica, seus males físicos nunca sararam por completo.
O Baal Shem Tov tinha inspirado amor; o Maguid inspirava reverência e respeito. Era rigoroso e exigente com os discípulos. Para os que se auto-flagelavam, ensinava que mutilar o corpo era pecar contra o Criador. Mas para aqueles que, segundo seus padrões, viviam em demasiado conforto, ele pregava um temor ainda maior a D’us. O bisneto do Maguid, Rebe Israel de Ruzhin, contava que “quando o Maguid, já muito doente, contava uma história, a cama sobre a qual jazia sacudia com violência, bem como sentiam-se sacudidos os poucos privilegiados que presenciavam a cena”.
No entanto, embaixo dessa disciplina extraordinária, havia um homem e um pai bom e caloroso. Sabia o que dizer e quando e a quem dizê-lo. Certa vez, um estudioso do Talmud foi vê-lo atrás de um conselho. Temia estar perdendo a fé. O Maguid não se pôs a lhe fazer um sermão nem entrou em um debate filosófico. Simplesmente pediu que o homem repetisse com ele, inúmeras vezes, uma prece – a primeira oração que uma criança judia aprende. E aquilo bastou.
Em Mezeritch, o objetivo do Maguid não era simplesmente conquistar os discípulos e ensinar-lhes, mas treiná-los para a liderança espiritual. Antes dele, os Chassidim tinham sido personificados por um único homem, apenas: o Baal Shem Tov – um contador de histórias, um operador de milagres que nunca tomava notas de nada. O Mestre fora um visionário que levava uma vida que era praticamente um mito; enquanto o Maguid era um homem prático, estrategista brilhante e administrador excelente. E assim, graças ao Rabino Dov Ber, os ensinamentos do Baal Shem Tov foram divulgados em toda a Europa Oriental.
O Maguid distribuía seus discípulos por regiões específicas para melhor disseminar os ensinamentos dos Chassidim. Eles tinham por tarefa levar esperança e consolo aos que viviam em desespero e humilhação. Seus alunos – os primeiros líderes chassídicos – recebiam ordem de extinguir todas as barreiras sociais, econômicas ou religiosas entre os judeus, ensinando-lhes a Torá e lembrando a eles que eram, todos, igualmente amados por D’us. Mas, como ocorrera com o Baal Shem Tov e com o Grande Maguid, os primeiros líderes chassídicos também se defrontaram com uma ferrenha oposição. Eram perseguidos e humilhados tanto pela liderança judaica secular quanto pela religiosa. Aqueles que se opunham ao Chassidim – os Mitnagdim – acabaram conseguindo convencer o grande sábio, o Gaon de Vilna, a excomungá-los. Os líderes chassídicos pensaram em retaliar com um contra-banimento, mas o Maguid os impediu.
Em hipótese alguma permitiria que se aprofundassem as diferenças entre judeus. Mas as medidas anti-chassídicas acabaram por se tornar insuportáveis. Foi então que, certa noite, dez líderes Chassidim se reuniram e pronunciaram um encantamento, excomungando seus oponentes. De repente, no meio da cerimônia, ouviram o som de muletas que se aproximavam. “Vocês perderam a cabeça”, foi tudo o que o Maguid lhes disse. Ele não falava só em sentido figurado: deixaria de ser a cabeça do movimento, partiria dentro em breve. Mas, ofereceu-lhes algum consolo, na forma de uma promessa: a partir de então, sempre que houvesse um conflito entre Chassidim e Mitnagdim, prevaleceriam os Chassidim.
Ele faleceu poucos meses mais tarde, em 19 de Kislev do ano de 5533 (1772). Anos depois, nessa mesma data, um de seus mais ilustres discípulos, Rabi Shneur Zalman de Liadi, foi libertado de uma prisão russa, dando início a sua própria dinastia, o movimento Chabad-Lubavitch. O dia 19 de Kislev ficou conhecido como sendo o Rosh Hashaná do Movimento Chassídico. Mas isto é uma outra história…
Nevava no dia em que o Maguid ascendeu aos Céus. Estava envolto em seu talit – o xale de orações dos judeus – e usava os seus tefilin, os filactérios. Ro-deado por seus amados discípulos, suas últimas palavras foram: “Fiquem juntos, unidos para sempre”. Juntos não poderiam ficar. Fundaram suas próprias dinastias, cada uma com uma liderança distinta. Mas permaneceram unidos, para sempre. E, com o passar do tempo, conseguiram influenciar todo o seu povo. Chassidim ou não, todos compartilhamos a herança do Baal Shem Tov e do Maguid: seus ensinamentos e suas histórias, seus presentes eternos de júbilo, amor e esperança sem limites.
O legado do Maguid – O Talmud ensina que nosso antepassado Jacob nunca morreu: “Assim como estão vivos os seus filhos, também ele está vivo”. O Maguid não foi um dos pa-triarcas do povo judeu, mas ele, também, permanece espiritualmente vivo. Sua herança é eterna, sua influência não conhece limites. Basta sair à rua de qualquer cidade grande, em qualquer parte do mundo, e lá haverá uma sinagoga ou uma escola chassídica. Todas são heranças do Maguid e nelas se encontram seus descendentes espirituais.
O compilador da Mishná, Rabeinu Hakadosh, o Rabino Yehuda Ha-Nassi, ensinou-nos que “devemos conhecer Aquele que está acima de nós – D’us, em Sua Plenitude”: “Da Ma Lemála Mimach”. Pois foi o Maguid quem revelou a explicação mística dessa afirmação: Saiba que tudo o que ocorre nas Alturas – a interação Divina com o nosso mundo origina-se de dentro de nós mesmos. O Firmamento reage aos atos dos homens. Cada palavra ou ato, ainda que da pessoa aparentemente a mais simples, tem significado cósmico. Portanto, está em nossas mãos mudar não apenas o nosso destino, mas o de todo o mundo.
Ao fundar o Movimento Chassídico, o Baal Shem Tov deu vida a uma poderosa centelha espiritual. O Maguid de Mezeritch desdobrou-se em uma gigantesca chama inextinguível, que se disseminou por toda a Europa, levando esperança e consolo aos judeus em suas horas mais negras e difíceis. “O homem nunca está só”, ensinavam os Mestres do Chassidismo. Não importa quão destituído, desesperado ou abandonado esteja, todo judeu precisa saber que D’us está a seu lado, sempre e em todas as partes.
Os chassidim têm uma preferência especial pelas histórias, portanto, nada mais próprio do que concluir este artigo com uma delas. Trata-se de uma história verdadeira que se conta sobre o renomado Rebe Avraham Kalisker. Na tentativa de se tornar ainda mais espiritual, ele se abstraiu totalmente deste mundo, até que um dia sentiu-se inspirado por um ensinamento do Grande Maguid: o de que a terra está repleta de situações que permitem que o homem se torne parceiro de D’us. Resolveu então ir a Mezeritch para estudar com o Rabi Dov Ber. Posteriormente, relataria suas experiências ao grande sábio e líder dos Mitnagdim, o Gaon de Vilna: “O que aprendi em Mezeritch? Uma simples verdade: a Torá é dada ao homem para que ele possa celebrar a vida e tudo o que faz da vida uma fonte de celebração”. [4]
Fontes: [1] Wikipedia: https://pt.wikipedia.org/wiki/Mitnagdim
[2] Chabad: http://www.chabad.org.br/rebe/artigos_novos/3tsemach_tsedec.html
[3] https://pt.wikipedia.org/wiki/Haredi
[4] Morasha’, Edição 40, Março de 2003: http://www.morasha.com.br/profetas-e-sabios/o-maguid-de-mezeritch.html
Coordinador: Saul S. Gefter
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