- Introducâo – Uma narrativa do Talmud de Jerusalém: Rabi Akiva, ao ordenar seus dois alunos mais destacados, o Rabi Meir Baal Ha’Ness – Mestre dos Milagres – e o Rabi Shimon Bar Yochai, assim se teria expressado: ‘Deixa que primeiro se sente Rabi Meir’. Empalidecendo, Rabi Shimon ouviu o mestre, Rabi Akiva, que continuando, lhe confidenciava: “Basta que o Criador e eu tenhamos consciência de teu poder”.
O que nos ensina esta história? Ensina-nos que o mérito do Rabi Shimon era tão extraordinário que somente D’us e seu mestre podiam apreciá-lo, inteiramente. Não podemos falar de Rabi Shimon sem primeiro mencionar Rabi Akiva, seu guia. Se quisermos louvar o discípulo, primeiro devemos render as homenagens ao mestre – ainda que de forma sucinta. Analfabeto até completar 40 anos, Akiva se tornaria o maior dos mestres do Talmud. Segundo relatos neste último e no Midrash, até mesmo a alma de Moisés sentiu-se humilde diante do vasto conhecimento em questões da Torá e do auto-sacrifício que Akiva se impôs. Ele foi um dos quatro sábios que, ainda vivos fisicamente, adentraram o Pardês – o Jardim do Misticismo – vivenciando o Mundo Vindouro. Foi o único a voltar com vida, bem disposto e em paz. Não surpreende, portanto, o fato de seu aluno mais destacado ter-se tornado “o pai” do misticismo judaico. A vida e o heroísmo de Rabi Akiva estão descritos no Talmud e na liturgia de Yom Kipur. Foi torturado e executado pelos romanos por ter salvo o judaísmo, desafiando o decreto de Roma que proibia o ensino da Torá. Rabi Akiva certamente legou ao maior de seus discípulos os seus dons místicos, a sua paixão insaciável pela Lei de Moisés e a sua forte oposição a todos que não acreditavam num D´us Único.
Rabi Shimon, também conhecido como Rashbi (uma sigla tirada das iniciais de seu nome – Rabi Shimon Bar Yochai), viveu durante o segundo século da Era Comum. De modo similar a seu mestre, em época de grandes perseguições romanas. Conhecido como um grandioso artífice de maravilhas, era convocado pelos judeus para realizar milagres em sua intenção. E, por isso, apesar do ódio ancestral que ele nutria pelos romanos – nunca os tendo perdoado pelos crimes indescritíveis que cometeram contra seu mestre e contra seu povo – os líderes judeus da época o enviaram a Roma. Levava a missão de tentar convencer o imperador romano a extinguir a proibição de se praticar a religião judaica. Ao descrever esse episódio, o Talmud nos relata um dos inúmeros milagres que marcaram a vida do Rashbi:
a filha do imperador, possuída por um demônio, esbravejava dizendo que só havia um homem que a podia exorcizar e que este atendia pelo nome de Rabi Shimon Bar Yochai. O místico judeu o conseguiu – e a proibição foi revogada. No entanto, o ódio que tinha de Roma permanecia imutável e ele nada fazia para disfarçá-lo; pouco faltou para que se tornasse mútuo. No ano de 3909 (149 da E.C.), Rabi Shimon, ouvindo um colega judeu louvar as conquistas romanas, reagiu dizendo que “tudo o que haviam feito de bom tinha sido em seu próprio benefício, além de motivados por propósitos imorais”. A discussão chegou aos ouvidos das autoridades romanas, que decretaram que ele fosse morto.
Ato contínuo, o Rabi e seu filho, Rabi Elazar, fugiram e se esconderam em uma caverna. Lá permaneceram durante treze anos, estudando, noite e dia, a Torá. Sustentaram-se, dentro da caverna, do fruto de uma alfarrobeira e da água de uma fonte, surgida do nada. Durante os anos em que viveram na caverna, pai e filho – tendo o estudo da Torá como única ocupação – foram visitados pelas almas de Moisés e do profeta Eliahu, que lhes transmitiram os segredos místicos mais profundos do universo. E exatamente essa riqueza de conhecimentos, adquiridos na caverna, foi transcrita como sendo o Zohar – a obra na qual se fundamenta a Cabalá.
Transcorridos doze anos da reclusão dos eruditos, morre o governador romano, levando consigo o decreto de morte contra Rabi Shimon. Quando o grande sábio e seu filho emergem do isolamento da caverna, deparam com um homem que arava e semeava a terra. Os dois, que se tinham recolhido por mais de uma década numa caverna, exclusiva e ininterruptamente estudando a Torá, não podiam compreender como devotava um judeu o seu tempo a uma ocupação mundana qualquer – e não a questões eternas, como a oração e o estudo da Lei. Encararam, pois, o homem, com desagrado, e de seus olhos se projeta um raio de fogo que o queima. Eis que dos Céus lhes chega uma voz, tonitruante: “Para destruir o Meu mundo saístes da reclusão?” E a Voz lhes ordenou voltar ao isolamento da caverna, tendo lá permanecido por mais um ano, imersos no estudo. Quando, pela segunda e última vez emergem da caverna, pai e filho regozijaram-se ao constatar que os judeus de Israel se ocupavam do cumprimento dos sagrados Mandamentos Divinos. Já não incomodava ao Rashbi o que de mundano o cercava e disse a Elazar, seu filho, que o que ambos estudaram da Torá bastava para sustentar o mundo. Rabi Shimon estava em busca de maneiras de retificar o mundo; não de condená-lo.
De seu longo confinamento, emergiu Rabi Shimon espiritualmente mais sábio e mais poderoso do que nunca. Reunindo seu filho, seu genro e os discípulos mais próximos, começa a lhes revelar os segredos da Cabalá que ele próprio recebera durante os treze anos em que estivera recluso. Esses grandes mistérios e revelações sobre o processo da Criação, sobre o relacionamento de D’us com nossa existência e sobre a feitura da alma humana eram transmitidos oralmente, de geração em geração, pelos grandes líderes espirituais do povo judeu exclusivamente a seus pares. Mas, com Rabi Shimon, a Cabalá começou a ser transcrita, de forma sistemática, e divulgada pelo mundo. Daí considerarem-no o “pai” do misticismo judaico.
Um de seus discípulos, Rabi Abba, seu escriba mais proeminente, foi quem redigiu o Sefer Ha’Zohar – “o Livro do Esplendor” – espinha dorsal dos estudos cabalísticos.
A grandeza de Rabi Shimon – Sabemos que Rabi Shimon bar Yochai foi o maior dos discípulos de Rabi Akiva. Mas, que mérito extraordinário possuía esse homem para ser o pai do misticismo judaico? Vejamos o que o Talmud, o Midrash e as gerações de Grandes Sábios que o sucederam disseram sobre sua pessoa.
E assim falou o Talmud: toda mulher que dá à luz um filho homem deve pedir a D’us que a criança se desenvolva à imagem do Rabi Shimon Bar Yochai. Ele serve de modelo, ainda que inatingível, para cada um de nós, judeus. O sábio não dominava, apenas, o misticismo judaico, mas era também verdadeiro gigante em seus conhecimentos da Torá revelada – ou seja, o Talmud e obras correlatas. Isto é tão verdade que quando determinada lei judaica não está em consonância com sua opinião, o Talmud declara: “Pode-se confiar na opinião de Rabi Shimon em uma situação de impasse”. Ademais, suas opiniões eram tão conhecidas pelos sábios que quando o Talmud atribui uma afirmação a Rabi Shimon sem, no entanto, identificar a qual dos rabanim com esse mesmo nome se refere, a regra é que sempre se trata do Rabi Shimon Bar Yochai. Algo ainda mais marcante: ele tem a distinção singular de ser mencionado em praticamente todos os capítulos do Talmud! Há apenas três exceções, sendo que nenhuma dessas trata especificamente da lei judaica. O vasto conhecimento desse sábio, portanto, abrangia desde os domínios mais esotéricos e legislativos da Torá até suas mais profundas entranhas místicas. O autor do hermético Zohar discorre, no Talmud, sobre os detalhes mais intrincados e delicados da lei judaica. Tinha a habilidade ímpar de entender essas duas áreas do conhecimento não como disciplinas distintas, mas como uma unidade combinada, da qual o aspecto jurídico era o corpo e o elemento místico, a alma. Integrados, os dois aspectos compunham a Torá, única e una.
Esta unidade dentro da Torá, que Rabi Shimon conseguira visualizar, permitiu-lhe perceber a Unidade Divina inserida dentro de nosso mundo material. Via o estudo de seus Cinco Livros como uma empreitada sagrada, abrangente, que podia influenciar e controlar até os mínimos detalhes da vida humana.
O Zohar nos conta que, certa vez, a Terra de Israel amargava uma grave seca. Ao procurarem, os judeus, o Rabi Shimon, pedindo que intercedesse aos Céus para salvá-los, ele lhes expôs o versículo 133 dos Salmos, onde se lê: “Ó, como é bom e prazeroso quando unidos vivem os irmãos…”. E, de imediato, as nuvens se transformam em chuva. O que havia de tão especial nesse relato? Diferentemente de todos os outros homens santificados, este homem especial não precisou orar, rogando pela misericórdia e abundância Divina; bastou-lhe comentar sobre a Torá. Tinha meios de fazer com que a riqueza espiritual de nossa Lei se manifestasse em nosso mundo como riqueza material. Dele o Talmud diz: “Torató umanutó” – “Sua profissão era a Torá”. Devotado, inteiramente, ao seu estudo, ele era completamente imune às preocupações mundanas.
Tinha o mérito de ter suas necessidades diretamente providas por D’us, sem que tivesse que se afastar dos livros sagrados para buscar o seu sustento. Outros seguiram seu exemplo, em vão, no entanto. Sem sombra de dúvida, o Rashbi foi e continua único, sem paralelo na história da humanidade.
Conta-nos o Talmud que Bar Yochai estava habituado a ver obrarem-se milagres por seu intermédio. Uma pequena história: certa vez, ao entrar em uma sala de estudos, viu os alunos em silêncio. Perguntando a razão para tal inatividade, soube que não tinham óleo e, portanto, estavam sem luz para estudar a Torá. Tinham apenas vinagre que, como se sabe, não é inflamável. Foi então que o Rabi lhes ensinou: “Usem o vinagre e Aquele que ordenou que o óleo queimasse, encarregar-se-á de fazer o mesmo com o vinagre”. Os alunos obedeceram e, pasmos, viram o vinagre arder, obtendo com sua chama a luz que lhes faltava para o estudo. Esta história é especialmente memorável por incluir os dois elementos principais que marcaram a vida do sábio: dedicação absoluta à Torá e a realização de milagres, muitos milagres. E o que nos conta o Midrash sobre Rabi Shimon? Que em toda a sua vida nunca se viu um arco-íris. Nossos Sábios explicam que o arco colorido aparece nos céus quando D’us pensa em novamente mandar uma enchente para destruir a terra. No capítulo 9 da Gênese, D’us promete que sempre que a humanidade fosse tão indigna quanto o fora a geração de Noé, o arco-íris O lembraria de Sua promessa de nunca mais destruir o Seu mundo. Assim, o Midrash ensina que se, durante toda uma geração, o arco-íris nunca se fez ver, certamente algum homem excepcionalmente piedoso viveu naquela época; um homem de um mérito tão grande que serviu como garantia de que D’us não se arrependeu de Sua criação e de Suas criaturas. Ensina, também, que em toda a história somente houve dois justos de tão grande porte, um dos quais, o Rabi Shimon Bar Yochai.
Não nos enganemos: ele próprio estava ciente de tudo o que era. “A verdade é o Selo Divino”, revela o Talmud. E, portanto, a verdade não pode ser sacrificada – nem mesmo em nome da humildade, outro dos atributos Divinos. Rabi Shimon sabia que era ele o pilar do mundo. Dizia que, através de seus méritos, conseguiria eximir o mundo inteiro da severidade do julgamento Divino. A não-aparição do arco-íris durante sua vida serve de ratificação Divina para suas palavras. Ele queria invocar a misericórdia e a compaixão de D’us para o povo judeu, absolvendo-o de todo e qualquer castigo por suas transgressões. Afirmava, também, que se havia dois homens grandiosos em sua geração, estes eram seu filho Elazar e ele próprio; e se apenas um existisse, este um era ele. Outros Sábios e comentaristas do Talmud foram ainda mais fundo, fazendo com que sua afirmação se parecesse a uma meia-verdade. Um desses afirmou que se, em todos os tempos, realmente houve um único homem justo e grandioso, tratava-se do Rashbi.
Os sábios talmudistas não pouparam palavras de louvor acerca dele, comparando seus dotes proféticos aos de Moshé Rabeinu. E, de fato, os místicos posteriores nos ensinaram que a alma dele se tinha originado na de Moisés e na do Messias.
Lag Ba´Omer : o último dia de vida de Rabi Shimon Bar Yochai na terra – Jazia no leito, em casa, cercado de seus discípulos. Algumas horas antes de sua partida deste mundo, ele começou a revelar cada vez mais segredos místicos ainda por serem revelados. Tinha plena consciência de que suas revelações dariam origem, no futuro, a vários movimentos judaicos importantes. O dia marcado para ser o seu derradeiro, neste mundo físico, era Lag Ba’Omer, o 33º dia da contagem do Omer, trinta e três dias após o primeiro dia de Pessach. Rabi Shimon intuiu que no último dia de sua existência, teria que passar adiante todos os segredos que lhe tinham sido desvendados. Do contrário, tal riqueza estaria perdida para sempre.
Seu falecimento foi envolto em dramaticidade, como o fora sua vida. O sol se esvaía no horizonte. Rabi Abba tentava anotar tudo o que seu mestre dizia, mas as belas palavras que saíam dos lábios deste último vinham aos borbotões, intermináveis. Bar Yochai continuava, como que pregando; o discípulo, escrevendo. Eis que os demais alunos viram o sol interromper a sua marcha, recusando-se a se pôr. De súbito, ergue-se uma cerca de fogo em torno da casa. Ninguém entrava, ninguém saía. E Rabi Shimon continuava a falar e Rabi Abba a anotar. Até que, por fim, Rabi Shimon se deteve; fez-se um clarão estupendo, uma luz gloriosa iluminou a casa. Sua alma finalmente ascendera ao Criador.
Perguntamo-nos: seria Lag Ba’Omer, dia de seu falecimento, um dia de luto para o povo judeu? Muito pelo contrário! Rabi Shimon instruíra os discípulos para que o dia de sua morte fosse de grande celebração por todas as futuras gerações de judeus. A razão para tal era que a data marcava o ponto culminante de tudo o que o mestre alcançara no decorrer de sua vida física. No dia de seu passamento, o Rashbi conseguira transmitir uma quantidade muito maior de segredos cabalísticos do que o fizera ao longo de toda uma vida. Dissera “ter esperado por esse dia, a vida inteira”. Além disso, o Zohar ensina que o poder de um tzadik – um homem integralmente justo e virtuoso – aumenta após sua morte.
Lag Ba’Omer é o dia em que a alma de Rabi Shimon ascendeu a uma esfera superior dentro dos reinos espirituais. Esse dia é permeado pela intensa luz que ele introduziu em nosso mundo. Por conseguinte, é um dia no qual cada um de nós tem a capacidade de buscar a seiva da retidão nas mais íntimas das dimensões do mundo – em nossa alma, em nossa Torá e em nossa conexão com D’us – transportando dentro de nós a força de sua inspiração ao longo do ano. Celebramos Lag Ba’Omer como a festividade pessoal de Rabi Shimon e como o dia que tornou a alma mística da Torá acessível a cada um de nós. Rabi Shimon Bar Yochai e seu filho Elazar estão enterrados em Meron, cidade na Alta Galiléia, em Israel. Em Lag B’Omer, centenas de milhares de judeus visitam seu túmulo, implorando a D’us para que, pelo mérito desses dois homens santos, eles próprios sejam merecedores de saúde, descendência e fartura. Conta-se que inúmeros milagres têm ocorrido à beira de sua sepultura, nesse dia. Como tributo ao Rabi Shimon, acendem-se, anualmente, em Lag Ba’Omer – seja em Meron, em outras partes de Israel ou na Diáspora – grandes fogueiras para celebrar a imensa luz que ele trouxe ao mundo, em especial no dia de seu passamento.
Sua chama continua acesa. Sua memória e também o seu mérito. Pois que assim nos ensinaram os místicos judeus: quando não se tem mais ninguém com quem contar – quando tudo já parece desesperançado – um judeu pode sempre confiar no Rabi Shimon Bar Yochai. Seu mérito é o bastante para invocar o perdão Divino até que chegue a era messiânica. Os ensinamentos do Rashbi serviram como a fonte de luz e inspiração que ajudou a preservar o povo judeu em seus momentos mais difíceis. Muitos homens grandiosos que o seguiram – Rabi Yitzhak Luria, o Baal Shem Tov e tantos outros – ajudaram a iluminar o mundo com a chama oriunda de Bar Yochai. Esta chama irá iluminar o caminho que levará para fora do exílio até o último dos judeus. E quando isto ocorrer – que esteja próximo esse dia – o mundo inteiro viverá da maneira como Rabi Shimon julgava que se devia viver. “Pois que a terra se encherá do conhecimento do Eterno, nosso D’us, como as águas cobrem o mar”. (Isaías, 11:9). [1]
- Qual é a Origem da Cabalá e da Chassidut? Por Rabino Itzchak Guinsburg
Do momento de sua revelação no Monte Sinai, a dimensão oculta da Torá, a Cabala, era conhecida somente pelos sacerdotes e profetas. Entretanto, depois que o poder da profecia cessou e o Templo de Jerusalém foi destruído, uma nova era surgiu. Por volta do ano 3860 da criação do mundo (ano 100 da Era Comum), ao Rabi Shimon Bar Yochai – também conhecido pelo acrônimo Rashbi – foram dados o poder e permissão Celestiais para revelar aos seus discípulos a sabedoria oculta da Cabalá. Ele explicou as funções individuais das emanações da luz Divina – as dez sefirot (níveis da alma) – e como as sefirot se manifestam em cada versículo da Torá e em cada fenômeno da natureza. Seus ensinamentos estão contidos no grande texto clássico da Cabalá, o “Livro da Luminosidade”, mais comumente conhecido como Zohar.
Durante cerca de mil anos após o falecimento de Rabi Shimon Bar Yochai, os ensinamentos do Zohar eram passados de um cabalista a outro, compartilhado em cada geração por poucos seletos estudantes considerados dignos de preservarem sua transmissão. A partir do ano 5000 da criação do mundo (13º século EC) que o Zohar foi disseminado para um grupo maior. Naquela época, na Espanha, o Rabi Moses de Leon começou a tornar público o texto do Zohar. Entretanto poucos podiam compreender seus ensinamentos. Pelos próximos 250 anos, muitos cabalistas tentaram prover uma estrutura conceitual na qual pudessem incluir as lições com associações livres e altamente simbólicas do Zohar. Ninguém obteve tanto sucesso como o grande estudioso talmúdico e cabalista, Rabi Moshe Cordovero de Safed, que nasceu no ano de 5285 da criação do mundo (1522 EC), mais conhecido como Ramak. O objetivo de Ramak era o de sistematizar de forma racional todo o pensamento cabalista até o seu tempo, em particular os ensinamentos do Zohar.
Em sua obra magna, o Pardes Rimomim (“O Pomar das Romãs”), o Ramak demonstrou a unidade subjacente da tradição cabalística ao organizar os vários – por vezes, aparentemente contraditórios – ensinamentos da sabedoria oculta em um sistema coerente.
O núcleo do sistema de Ramak consiste de uma detalhada descrição de como D’us, o Criador, por meio das dez sefirot, desenvolveu a realidade finita a partir da extensão exclusiva da Luz Divina infinita referida como Or Ein Sof (“Luz Infinita”).
Quase imediatamente após a morte de Ramak, Rabi Isaac Luria, nascido no ano 5294 da criação do mundo (1534 EC), popularmente conhecido como o Arizal ou Ari, começou o próximo estágio na revelação da Cabalá. O Ari nasceu em Jerusalém, porém, ainda jovem, mudou-se para o Egito onde rapidamente se estabeleceu como um prodígio no Talmud. Introduzido nos segredos da Cabalá por um de seus mentores, ele freqüentemente passava extensos períodos de tempo meditando sozinho. Durante uma de suas experiências visionárias, o Ari foi instruído pelo Profeta Elias para retornar à Terra de Israel, onde, na cidade de Safed, encontraria aquele destinado a se tornar seu principal discípulo e expoente.
De acordo com a tradição, o Ari chegou a Safed no mesmo dia do funeral de Ramak. Juntando-se ao cortejo, ele visualizou uma coluna de fogo sobre o caixão – um sinal, de acordo com a Cabalá, de que alguém é destinado a herdar o manto de liderança do falecido. O Ari pacientemente esperou por meio ano sem fazer qualquer proposta até que, aquele destinado a ser seu discípulo, Rabi Chaim Vital, nascido no ano 5303 da criação do mundo (1543 EC), se apresentasse para o aprendizado. O Ari somente viveu por mais dois anos (falecendo aos 38 anos de idade), mas, naquele curto período de tempo, foi capaz de revelar um caminho e uma profundidade totalmente novos no estudo da Cabalá. Tão completos foram suas ideias que, até hoje, o estudo da Cabalá é virtualmente sinônimo de estudo dos escritos do Ari.
No centro do sistema do Ari está uma descrição radicalmente nova da evolução da realidade. Diferente de Ramak, que viu forças autônomas adiantando linearmente a evolução da criação, o Ari viu uma constelação de forças em ativo diálogo entre si em todo estágio daquela evolução. Ele descreveu as sefirot não como pontos unidimensionais, mas como partzufim (“personalidades”) complexas e interagindo dinamicamente, cada uma com uma característica humana simbólica. De acordo com o Ari, as forças criativas continuam a interagir com a realidade, respondendo continuamente à forma como os seres humanos administram o eterno conflito entre bem e mal. Desta forma, o impacto das ações humanas nas sefirot – que canalizam a energia Divina para o mundo – podem tanto facilitar quanto impedir o avanço da criação no sentido do seu pretendido estado de perfeição.
Subseqüente ao Ari, houve mais uma personalidade que inspirou uma mudança qualitativa na evolução do pensamento cabalístico. Ele foi Rabi Yisrael Baal Shem Tov, popularmente conhecido como Baal Shem Tov. Nascido na província de Podólia no oeste da Ucrânia no ano de 5458 da criação do mundo (1698 EC), o Baal Shem Tov devotou seus primeiros anos de vida ajudando a aliviar a aflição física e espiritual de seus concidadãos judeus, enquanto, ao mesmo tempo, mergulhava nos mistérios da Cabalá com uma fraternidade de místicos, os Nistarim.
No ano de 5494 (1734 EC), ele se revelou como cabalista e acabou por fundar um movimento popular que pretendia revigorar as vidas espirituais dos judeus por toda a Europa Oriental. Este movimento, que passou a ser conhecido como Chassidut (“Chassidismo”), era internamente baseado na antiga tradição doutrinária da Cabalá, enquanto, externamente, dava nova ênfase ao serviço a D’us de forma simples e alegre, particularmente através da oração e atos de amor e de bondade e acessível a todas as camadas da comunidade judaica.
Foram os discípulos do Baal Shem Tov, particularmente o Rabi Schneur Zalman de Liadi, nascido no ano 5505 da criação do mundo (1745 EC), o autor do Tanya (“Estudos”) e fundador da escola Chabad da Chassidut, que trouxeram à luz os profundos entendimentos do Baal Shem Tov sobre o pensamento cabalístico. No pensamento chassídico, a fórmula abstrata e freqüentemente impenetrável da Cabalá clássica é reformada nos termos psicológicos da experiência humana.
Pelo uso da própria experiência oculta do indivíduo como um modelo alegórico para o entendimento dos mais profundos mistérios do universo, a Chassidut foi capaz tanto de elevar a consciência do judeu comum como de expandir o território conceitual do pensamento cabalístico. É um comum erro de concepção a ideia de que a Chassidut é um movimento que existe fora do fluxo formal da Cabalá. De fato, não somente o Baal Shem Tov influenciou o pensamento cabalístico, mas ele o levou ao seu ápice histórico, tanto em termos de seu refinamento conceitual quanto em seu grau de influência sobre as vidas dos Judeus comuns. Já foi dito que se a Cabalá é a “alma da Torá”, então a Chassidut é a “alma dentro da alma”.
Tradução: Maurício Klajnberg
*Rabino Yitzchak Ginsburg – fundador e diretor do Instituto Gal Einai: Instituto de Estudo Interdisciplinário Avançado de Torá, Arte e Ciências. Renomado explicador de Cabalá e Chassidut, Rabino Ginsburg escreveu mais de quarenta livros esclarecendo tópicos de Torá como psicologia, medicina, política, matemática e relacionamentos.[2]
Fontes: [1] Revista Morasha, Edição 44, por Tev Djmal – março de 2004: http://www.morasha.com.br/conteudo/artigos/artigos_view.asp?a=438&p=1
[2] Chabad: http://www.pt.chabad.org/library/article_cdo/aid/2748294/jewish/Qual-a-Origem-da-Cabal-e-da-Chassidut.htm
Coordinador: Saul S. Gefter
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