- Quando Coisas Ruins Acontecem Às Pessoas Boas
– Artigo Escrito por Rubens Garavello Machado*
Com o título acima, o rabino Harold S. Kusher escreveu, no já distante ano de 1981, um belo livro (“When bad things happen to good people”). No prefácio, o também rabino Henry Sobel (São Paulo), comenta que se trata de uma pequena obra prima e que talvez seja o mais compreensivo e compreensível livro de filosofia teológica já escrita. Ressalta que o autor chega à conclusão que a crença na onipotência de D`us é cruel e ilusória. A partir daí propõe uma abordagem diferente, e até certo ponto revolucionária. Não são os atos de D`us, que causam dor e sofrimento ao homem, e sim uma “aleatoridade” do universo.
Chega ele a conclusão que não podemos entender ou responder a pergunta do motivo que coisas ruins acontecem a pessoas boas. A pergunta seria então o que fazer? Será que conseguimos aceitar o fato de que esta vida é imperfeita? Na verdade a questão do mal no mundo, sempre foi algo que perpassou os compêndios de filosofia ao longo dos tempos.
Nesta obra o autor nos informa ser ele um rabino, morando na cidade de Boston (EUA) e ter sido abatido por um violento acontecimento. Seu filho, quando completou a idade de três anos, foi diagnosticado como portador de uma patologia de nome Progéria. Esta doença não permitiria que a criança se desenvolvesse e certamente morreria no início da adolescência.
Foi mergulhado neste imenso sofrimento que começou a gestar este livro. É um livro para ajudar as pessoas que como ele passa por um sofrimento como este. Ele diz textualmente “é um livro para ajudar outras pessoas que acaso algum dia se encontrasse em situação semelhante”.
Ao longo de sete capítulos tenta responder questões como o porquê os justos sofrem? Muitas pessoas têm a tendência de explicar este fato invocando um sentimento de culpa por não terem feito isto ou aquilo.
Desta forma acham na culpa a explicação para os males que as acometem. Lembram de ensinamentos bíblicos tipo “Er, porém, primogênito de Judá, era perverso perante o Senhor, pelo que o Senhor o fez morrer”. Este é o pensamento mágico que atribui a D`us uma qualidade de juiz justo, que castiga o pecador.
No entanto como explicar que criancinhas morram ao caírem de uma janela?Seguindo os exemplos bíblicos, o autor, lembra a episódio de Jó que é um longo poema filosófico, questionando o porquê coisas ruins acontecem às pessoas boas. Sinteticamente relata que D`us instigado pelo diabo para provar que seu servo Jó só era um homem bom e justo, porque havia sido brindado com inúmeras benesses. D`us então manda muitos sofrimentos para ele (morte de seus filhos, perda de todos os seus bens, doenças). Frente a isso ele permanece fiel e D`us o recompensa, lhe restituído tudo em dobro.
A grande mensagem deste livro é entendermos que coisas ruins acontecem mesmo independentemente da vontade de D`us. E a grande pergunta não é “D`us porque fazes isto comigo” e sim “D`us vê o que esta acontecendo comigo. Podes me ajudar?” Recorremos a D`us em busca de fortalecimento. Na realidade é muito difícil para nós mudar esta maneira de pensar, pois fomos ensinados a crer em um D`us onividente, onisciente e onipotente. É importante aceitarmos que existem muitas coisas que fogem ao controle de D`us. Devemos, pois é admitir que nem sempre existe uma razão.
Importa é aceitar a idéia de ocorrer fatos sem qualquer razão. Não existe uma explicação racional para um terremoto, uma enchente, um raio. D`us não interfere nas leis da natureza. Um terremoto não é um ato de D`us. Ato de D`us é a coragem das pessoas na reconstrução de suas vidas. A dor é o preço que pagamos por estarmos vivos. Não existe resposta satisfatória para os nossos males. Por sermos criados livres temos a possibilidade de cometer atos maus e com isso ferir nossos semelhantes. D`us não tem nada a ver com isso.
Auschwitz (o Holocausto), porque aconteceu? E D`us onde estava? Novamente respondemos D`us não tem nada a ver com isso. Isto ocorreu porque alguns homens resolverão serem maus. Usaram sua liberdade.
D`us ajuda aos que param de castigar-se Uma das piores coisas que acontece a quem foi ferido pela vida, é a tendência a aumentar as proporções do mal recebido, ferindo-se a si próprio uma segunda vez. Muitas vezes a pergunta “Por que D`us fez isso comigo?” Não é realmente uma pergunta, mas sim um grito de dor. Muitas vezes ao tentar consolar alguém usamos frases tipo: “foi melhor assim!” Ou podia ser pior! Isso é negativo. Na realidade o que a pessoa que sofre necessita é de simpatia mais do que de conselhos. Necessita é de compaixão. Precisa é de conforto físico, que a sustente em vez de condená la. É melhor se dizer: “Tá certo aconteceu, é terrível e não faz sentido.”
Muitas vezes o sentimento de culpa é oportuno e necessário. O sentimento de culpa faz as pessoas se esforçarem a melhorar. No entanto, o sentimento de culpa por algo que não depende de nós nos impede de crescer.
Uma lenda antiga chinesa relata que uma mãe que teve seu único filho morto e na sua dor ela se aproximou do mestre e disse “ de que orações ou encantamentos mágicos dispões para trazer o meu filho de volta a vida?” o mestre em vez de mandá-la embora disse “ traze-me um grão de mostarda de um lar que jamais conheceu a tristeza. Nós usaremos para expulsar a tristeza de tua vida” A mulher em sua busca envolveu-se tanto em amenizar a dor das outras pessoas que esqueceu de buscar a semente mágica e não percebeu que acabara de expulsar a tristeza de sua alma.
D`us não pode fazer tudo, mas faz coisas muito importantes Orar pela saúde de uma pessoa, pelo resultado favorável de uma operação tem implicações que só podem preocupar a alguém que pensa. Se as orações funcionassem como muitas pessoas acham ninguém morreria. O importante é saber que a oração não pode mudar a natureza. O que a oração pode fazer e ela faz, é nos colocar em contato com as outras pessoas, pessoas que partilham dos mesmos interesses e valores que nós. A oração faz que não nos sintamos sós. A oração também é uma grande oportunidade de nos colocar em contato com D`us. Devemos rezar não por milagres, mas por coragem, por fortaleza para suportar o insuportável, Para que serve então a religião?
O autor reconhece que crê em D`us, mas depois do sofrimento que passou mudou sua maneira de pensar a respeito de D`us. Começou acreditar que Ele é limitado sobre as leis danatureza. Certamente, D`us odeia o sofrimento, mas não pode eliminá-lo. D`us não é cruel, não causa desgraças. As coisas que nos afligem não são punições por nosso mau comportamento.
Para que então, serve D`us? Quem precisa de religião? Nós precisamos de D`us porque é Ele que nos dá forças para suportarmos as tragédias. Podemos carregar qualquer fardo, desde que pensemos que há um sentido para isso. Não devemos nos perguntar o porquê isso me aconteceu e sim, já que aconteceu, que vou fazer?
Portanto, a resposta à pergunta do porquê as coisas ruins acontecem às pessoas boas é aceitar que o mundo não é perfeito. É aceitar com amor um mundo imperfeito. Esta capacidade de amor e perdoar são as armas que D`us nos deu para aceitar isso.
Comentário final – A teologia e a filosofia sempre tiveram dificuldades de dar uma resposta clara à questão do mal. Desde Platão que propugna que D`us (ou deuses) não pode ser a origem do mal, até os modernos filósofos, como Paul Ricoeur, que afirma ser o problema do mal um desafio à teologia e a filosofia. Por isso o texto do rabino Kusher, é uma visão nova do sofrimento. É uma honesta tentativa de procurar dar resposta à pergunta que muitas vezes é feita pela maioria das pessoas frente a uma desgraça: “Por que isto aconteceu comigo?”. “Como isto acontece a uma criança inocente?”. Ou então a revolta “D`us não é justo!”.
A visão do rabino nos leva não a tentar compreender o incompreensível, mas a ter a visão que coisas acontecem simplesmente porque acontecem, sem que possamos entender.
Que para nós seres finitos não é possível compreender o infinito, D`us. É, pois uma reflexão que certamente ajudará a muitos e manterá a fé daqueles que frente às desgraças pessoais se tornam descrentes e revoltados.
É um belo livro e uma leitura agradável. Na nossa cultura, nós não aprendemos a lidar com a dor e com a perda.
* Garavello Machado – Cirurgião Dentista (PUCRS), Especialista em Homeopatia (FACIS – Fac. De Ciências de Saúde de N.P), Prof. da SOBRACID. [1]
- Por que coisas ruins acontecem a pessoas boas?
Artigo Escrito por Rabino Kalman Packouz
Em algum momento da vida, quase todos fazem a velha pergunta: “Por que coisas ruins acontecem a pessoas boas?” Recentemente recebi uma cópia de um incrível e surpreendente livro, repleto de sabedoria, do Rabino Shaul Rosenblatt.
Quais as credenciais do Rabino Rosenblatt para escrever sobre este tópico? Aos 27 anos de idade, Elana, sua esposa e mãe de seus 4 filhos, descobriu que tinha câncer. Após 3 anos lutando pela vida, Elana devolveu sua alma ao Criador e Shaul, viúvo, ficou para cuidar das crianças. O livro narra seus esforços para entender e, no final das contas, conseguirem crescer a partir de toda a situação. Eis alguns excertos do livro:
“Como início para isto – e para a maioria das questões da vida – precisamos primeiramente definir os termos sobre os quais falaremos. Isto é ainda mais importante aqui, pois ao tratarmos sobre o porquê de coisas ruins acontecerem neste mundo, precisamos começar definindo o que é ‘ruim’.”
“Acredito que muito da nossa dificuldade em lidar com as coisas desagradáveis que nos acontecem provêem de uma definição de ‘ruim’ que é totalmente inconsistente com o judaismo”.
“Talvez para a maioria das pessoas a definição de ‘ruim’ seja ‘dor’. A ‘dor’ e o ‘ruim’ são praticamente sinônimos. Seja a dor que alguém sofre ao morrer de uma terrível doença, a dor de alguém como Elana, sabendo que nunca dançaria no casamento de seus filhos, ou a dor de crianças morrendo de fome na África ou no Gueto de Varsóvia. É a dor envolvida nestas situações que as tornam ‘ruins’. Se ninguém no Holocausto sofresse nenhum tipo de dor – se fossem gentilmente ‘colocados para dormir’ sem ter a menor idéia do que lhes estava acontecendo – também seria algo horrível, mas talvez não nos incomodasse da maneira que nos incomoda. Tomemos alguns momentos para refletir sobre isto, pois é importante entender exatamente aquilo que está nos incomodando para podermos seguir em frente”.
“Se a dor estiver de alguma forma conectada à nossa definição de ‘ruim’ – seja emocional, física ou uma dor espiritual – então a questão do por que coisas ruins acontecem a pessoas boas é claramente irrespondível, uma vez que a dor ocorre a todos os seres humanos durante a maior parte de suas vidas, sem distinguir se são bons ou ruins. Se a dor, por si só, é intrinsecamente ruim, então D’us nitidamente criou um mundo que está repleto de ruindade.”
“No entanto, não há nada, absolutamente nada, que aconteça conosco neste mundo que seja bom ou ruim. Tudo é completamente neutro. Porém, todas as coisas que acontecem têm o potencial de nos elevar a um nível maior de bondade – ou nos arrastar para bem longe de D’us. Tudo tem o potencial para ser ‘bom’ e tudo tem o potencial para ser ‘ruim’.
Coisas ‘ruins’ não acontecem a pessoas boas e nem coisas ‘boas’,também. Coisas acontecem que são ou mais ou menos dolorosas, mas não são inerentemente ‘boas’ ou ‘ruins’. Nós, seres humanos, somos os únicos árbitros a decidir se aquilo que ocorre em nossas vidas será, no final, bom ou ruim. A escolha está inteiramente em nossas mãos”.
“Elana e eu tomamos uma decisão quando soubemos que ela estava doente. Não tivemos a chance de escolher se ela teria câncer ou não, mas tínhamos agora a chance de escolher como reagir ao câncer. Sabíamos que poderíamos desesperar, que poderíamos nos esconder do mundo e aceitar o nosso ‘destino’, ou poderíamos decidir ser felizes com todas as coisas boas que tínhamos. Decidimos aproveitar bem o tempo de convívio entre nós e com as nossas crianças, desfrutando a vida em geral. Sabíamos também que poderíamos nos aproximar mais de D’us ou nos afastar Dele – as escolhas estavam inteiramente em nossas mãos”.
“Então, para ser brutalmente honesto, peço a vocês que se perguntem: para que estamos neste mundo? Pelo conforto? Para evitar a dor? Para viver setenta ou oitenta anos de vida com o mínimo de desafios possível? Se esta é a nossa meta, então certamente muitas coisas ‘ruins’ acontecerão ao longo do caminho – porque este é um mundo de dor, e a dor é contrária a tudo que vivemos. Se, entretanto, acreditarmos, como eu acredito, que estamos aqui para nos elevarmos em santidade, para crescermos e tentarmos chegar a uma auto perfeição, então tudo o que nos acontece são oportunidades de ouro. E quanto mais desafiadora, maior é a oportunidade. A Mishná (a Bíblia) nos ensina que ‘De acordo com a dor será a recompensa (Pirkei Avót 5:23)’. Não está escrito ‘conforme o esforço’, mas ‘conforme a dor’. O nível de dor define o nível de potencial para a elevação espiritual. É lógico, não procuramos por dores, mas quando ela vier, devemos ‘abraçá-la’ como uma oportunidade de lutarmos por nosso aperfeiçoamento e crescimento espiritual e de caráter”.
“Como regra, será que a dor e as dificuldades na vida tornam mais fácil ou mais difícil a elevação espiritual? Se formos honestos, teremos de reconhecer que os desafios nos ajudam a chegar à grandeza. A grandeza, habitualmente, não é encontrada entre aqueles que passam seus dias deitados na praia ou velejando pelo mundo em iates de milhões de dólares. A grandeza é muito mais freqüentemente encontrada entre os que encaram as adversidades da vida e as superam. Aqueles que atingem seu verdadeiro potencial são os que lutam em situações difíceis e constroem o seu caráter neste processo”. Shalom! [2]
III. Porque Coisas Ruins Acontecem A Pessoas Boas? por Rav Yanki Tauber, baseado nos ensinamentos do Rebe M.M. Schneerson, Chabad
…Devemos falar a D’us, confrontá-Lo, perguntar a Ele: “Por que existem mal e sofrimento em Teu mundo?” Esta é provavelmente a pergunta mais antiga na história do pensamento humano. Com toda a certeza é a mais perturbadora, a que mais se faz e a que menos satisfatoriamente é respondida: Por quê, por quê, coisas ruins acontecem a pessoas boas?
Todos fazem esta pergunta – filósofos, teólogos, açougueiros, padeiros e fabricantes de velas. Ninguém consegue realmente respondê-la. A Bíblia devota os 41 capítulos do Livro de Job a este tema, oferecendo diversas explicações interessantes somente para refutá-las todas, chegando finalmente à conclusão que o homem finito não pode entender os caminhos de D’us. Para muitos, o protesto contra o mal é algo que nasce quando a pessoa se encontra com o sofrimento na vida. Para um verdadeiro líder que sente a dor de seu povo como se fosse sua, é um grito insondável brotando do poço aparentemente sem fundo do sofrimento humano…. Mesmo pessoas que acreditam em D’us não estão necessariamente propensas a confrontá-Lo como fez Moises. Elas podem não acreditar que Ele é realmente responsável por tudo que ocorre no mundo. Podem não estar convencidas de Sua suprema bondade. Podem pensar que é inútil protestar a Ele, pois Ele na verdade não Se importa com aquilo que eles sentem a respeito disso. Ou talvez tudo esteja perfeitamente bem em suas vidas, e o que está acontecendo ao resto do mundo simplesmente não lhes diz respeito. Aquele que verdadeiramente acredita, por outro lado, sabe que tudo que acontece é porque foi ordenado lá do Alto. Ele sabe que D’us é a essência do bem e que somente o bem flui d’Ele. E sabe também que o homem pode falar com D’us e esperar uma resposta a suas súplicas. Portanto, pode apenas clamar: “Meu D’us, por que fizeste mal a Teu povo?!” É isso que devemos aprender com Moises. Devemos falar a D’us, confrontá-Lo, perguntar a Ele: “Por que existem mal e sofrimento em Teu mundo?” Não sabemos o suficiente para compreender a resposta; devemos, no entanto, acreditar e nos importar o suficiente para fazer a pergunta. [3]
Fontes: [1] Instituto de Desenvolvimento Cultural (IDC), a revista Cultura e Fé, revista de humanidades CULTURA E FÉ | 124 | Janeiro – Março | ano 32 | p. 123-26: http://www.idc.org.br/GESTIONALE/upload/CONFIGURAZIONE/ECONTENT/CREAZIONEPORTALE/template/galleria/Image/documentos/Cultura_e_Fe/124/COMUNICACOES/Quando_coisas_ruins_acontecem.pdf
[2] Centro Espìrita Kardecista, No Caminho da Luz: http://www.centronocaminhodaluz.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=130:na-vida-existe-dor-mas-o-sofrimento-e-opcionalq&catid=60:artigos&Itemid=81
[3] Congregação Judaica P`Nei Or, Centro de Estudos e Pesquisas, “PORQUE COISAS RUINS ACONTECEM A PESSOAS BOAS?”, 09 de março de 2007 – 19 de Adar de 5767
Coordenador: Saul Stuart Gefter
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