Congregação Judaica Shaarei Shalom – שערי שלום

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RÚSSIA
Que tal fazer uma viagem no tempo e aterrissar, ainda que em pensamento, na Moscou de 1971, em pleno regime comunista, quando era terminantemente proibido produzir qualquer material de natureza religiosa, especialmente judaico? Os poucos livros de orações das sinagogas já estavam com suas páginas puídas de tanto uso, pois não passavam de relíquias impressas ainda ao tempo dos czares. Vamos dar uma olhada, agora, no que está acontecendo no interior do prédio da Embaixada Norte-Americana, onde acaba de chegar um malote diplomático. Apesar do clima de desconfiança que permeava as relações entre Washington e Moscou à época, os funcionários soviéticos não se atreveriam a abrir e vasculhar o conteúdo da mala recém entregue. Porque, se o fizessem, teriam tido uma enorme surpresa, ao deparar com talitot, tefilim, mezuzot e livros de orações em hebraico. O destinatário daqueles objetos era um diplomata judeu norte-americano, Saul Stuart Gefter, que fazia a ponte entre o Rebe, no Brooklin, e as sofridas e discriminadas coletividades israelitas da Rússia.
Para fazer com que esses materiais conseguissem ultrapassar os rígidos controles do regime e chegassem intactos às localidades da União Soviética, onde ainda existiam sinagogas, era preciso requerer, previamente, uma permissão especial do governo russo e Saul Gefter, não fez outra coisa nos dois anos em que serviu como diplomata naquele país, do que alegar curiosidade turística para poder viajar pelos quatro cantos do seu território. Munido das permissões e dos endereços, Saul viajava nos finais de semana às localidades selecionadas, portando uma pesada sacola. Adentrava o recinto da sinagoga durante o Shabat e, sem falar uma única palavra com qualquer um de seus freqüentadores, fazia suas orações em silêncio. Ao se retirar, tão sorrateiramente como havia entrado, “esquecia” intencionalmente a sacola com os materiais litúrgicos enviados pelo Rebe, por sinal um velho amigo de sua família.
Graças a esse trabalho de formiguinha Saul conseguiu manter viva a chama do judaísmo em nada menos de vinte e uma importantes cidades russas durante um bom período de tempo. Caso tivesse sido descoberto, poderia ter provocado um incidente diplomático entre os dois países. Na viagem que fez à distante Irkutsk, na gelada e tristemente famosa Sibéria, Saul liderou os serviços religiosos de Rosh Ashaná e Yom Kipur para nada menos de trezentas pessoas.

CUBA

Após a instalação da ditadura castrista em Havana, Estados Unidos e Cuba romperam relações diplomáticas e a Embaixada da Suíça ficou encarregada de representar os interesses norte-americanos no país. A outrora dinâmica comunidade judaica de Cuba minguava a olhos vistos e estava ficando difícil conseguir reunir dez judeus do sexo masculino para o minian. Saul, designado pelo governo norte-americano para atuar na representação do país helvético entre 1981 e 1984, fez o que estava ao seu alcance para evitar a interrupção dos serviços religiosos nas sinagogas de Havana.

A cada sábado comparecia a um dos templos judaicos da capital cubana, procurando não só levar alento a seus freqüentadores como também completar o número mínimo de fiéis para que o Sefer Torá pudesse ser retirado do Aron Akodesh e se procedesse à leitura da perashá da semana. Pode-se creditar a Saul Gefter o fato do judaísmo naquele país caribenho ter conseguido ultrapassar alguns dos piores anos da repressão religiosa do regime.

BRASIL

Saul chegou ao nosso país em 1975, na função de Primeiro Secretário da Embaixada Norte-Americana em Brasília, cargo que ocupou até 1981. Durante sua estada no Planalto participou da fundação da ACIB, a entidade judaica da capital federal. Encantado com o Brasil, retornou ao país em 1988, período em que exerceu a função de Cônsul na Cidade do Rio de Janeiro.

Ao se aposentar na carreira diplomática, decidiu permanecer no Brasil, fixando residência na Cidade Imperial de Petrópolis. Paralelamente às atividades privadas, como advogado e consultor de empresas, manteve uma intensa vida comunitária, como membro fundador e diretor executivo da Congregação Judaica P’nei Or, de 2000 até a atualidade. E foi justamente na Sinagoga P’nei Or, do rito sefaradi, que travou contato com uma realidade até então pouco conhecida por ele. Ficou sabendo que o Brasil havia recebido expressivas levas de judeus convertidos à força e perseguidos no período colonial português. E que muitos descendentes desses judeus, os chamados Anussim, aspiravam poder retornar à fé ancestral, encontrando dificuldades para fazê-lo. Para quem, em defesa dos ideais judaicos, havia enfrentado os riscos do totalitarismo soviético e de sua nanica filial latino-americana, acolher os descendentes dos judeus ibéricos forçados à conversão seria uma tarefa bem menos complicada. Junt amente com o Engenheiro Isaac Kayat e demais membros da sua sinagoga organizou um programa de estudos judaicos para preparar os candidatos e candidatas à conversão e retorno dentro dos princípios da Halachá, a lei mosaica. Estava difícil encontrar no Brasil um rabino disposto a realizar as cerimônias? Para Saul Gefter, acostumado a superar dificuldades aparentemente intransponíveis, isso não se constituía em problema. Um rabino baseado em Miami, Abraham Deleon Cohen, encarregar-se-ia da cerimônia, que incluiria a imersão nas águas límpidas de uma nascente de águas puras no topo da serra de Petrópolis, que funcionaria como mikvê, o banho ritual judaico. Saul Gefter e Isaac Kayat, auxiliados pelos ativistas Haim Nigri, José Behar e David Albagli auxiliaram o Rabino Deleon a realizar a cerimônia coletiva de conversões e retornos em fevereiro passado. Nada menos de vinte pessoas, provenientes dos quatro cantos do Brasil, puderam realizar o sonho de se converte r ou retornar à fé de seus antepassados. Alguns celebraram seus Bare Bat-Mitzvas, além de realizar as ansiosamente aguardadas cerimônias religiosa de núpcias.

[caption id="" align="aligncenter" width="431"] Grupo de Bnei Anussim – Petrópolis, Fevereiro de 2014.[/caption]

Saul aproveitou a oportunidade para revelar que tinha começado sua carreira de ativista ainda muito cedo. Relatou um episódio acontecido logo após o término da Segunda Guerra quando, com apenas nove anos de idade, juntamente com seu pai, David, o avô Samuel e o tio-avô Alexandre, ajudava-os a embalar e encaixotar fuzis que seriam enviados à Haganá, o exército do então embrionário Estado de Israel, que travava uma luta de vida ou morte pela independência do país. Depois de 1948, participou ativamente em campanhas de arrecadação de fundos nas estações do metrô e pontos de bondes da Big Apple, destinados ao Keren Kayemet, entidade encarregada de reflorestar o recém fundado e semi-desértico Estado. Oxalá existissem mais ativistas comunitários com o desprendimento, a coragem e a força de vontade de um Saul Gefter.
Por:  Nelson Menda – Miami FL – EUA



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